terça-feira, 30 de junho de 2009

Olá amigos !!!

Cap. 11 postado.

E como eu percebi que algumas pessoas que acompanham o blog gostam tanto quanto eu de musica celta e new age , vou postar um vídeo de uma banda irlandesa que eu adoro, Celtic Woman. Esta musica esta na playlist , pois eu a ouvi muito quando visualizei este capitulo, escutem a voz maravilhosa da vocalista, e me digam se ele não te transporta para um mundo aonde a magia é possivel.

Um beijo a todos !!!! Cheio de magias perfumadas.

Gaby

Cap. 11 - A era das revelações

Apesar de eu passar em frente da casa de Danielle todos os dias naquela semana, no fundo eu imaginava que, a casa dela por dentro seria diferente.

Eu imaginava uma casa cheia de velas e incensos, um sofá velho, de couro escuro com um grande gato em cima, e quem sabe até algum caldeirão.

Claro, tudo muito clichê, mas eu não imaginava algo diferente. Eu tinha consciência do meu horror aos rótulos, mas eu ainda não estava preparada para uma amiga bruxa.

A sua casa era simples, mas sofisticada, decorada em tons pastel, moveis finos e de bom gosto, tudo muito clean e iluminado. Alguns quadros de arte moderna na parede, iluminados com luz fria, como eu já havia visto nas revistas de decoração de minha mãe.

Quanto aos pais de Danielle, eu jamais poderia ter imaginado pessoas mais diferentes. A mãe dela era médica, educada e polida. Era baixinha como Dann e tinha os mesmos cabelos cacheados, mas cortados curtos. O pai era um senhor grisalho e sério, era advogado, e pelo o que Danielle havia me contado, ele foi advogado dos Nicholls por muitos anos.

Mas era como se algo estivesse errado, pois eles eram tão sérios e disciplinados. Claro que eles eram muito educados e receptivos, mas aquela aura distante não combinava com Danielle. Eu não sei, eu no fundo achava que todos os pais deveriam ser como os meus. Eu sabia que eu tinha muita sorte.

Após alguns minutos, estávamos no quarto de Danielle. Era grande, quase o dobro do meu, e a decoração seguia o mesmo estilo do resto da casa.

Uma grande cama de ferro, cortinas e tapetes pastéis, varias fotos de família na parede. Mas tirando isso, todo o resto parecia com ela.

Seu computador estava jogado em cima da cama, ainda ligado, com vários livros e papeis em volta. Tinha um enorme sino dos ventos na janela, fazendo um agradável barulho conforme a brisa batia e uma taça de cristal cheia de água em cima do parapeito. Foi então que eu percebi que Ela tinha uma varanda e ali havia feito um jardim de inverno, com uma enorme quantidade de plantas em vasos e jardineiras, todas com plaquinhas de papel servindo como indicação. Em cima do tapete da varanda, ao que parecia,um altar. Daqueles que eu já havia visto em filmes, velas , potinho com sal e terra , um punhal e um incensários.

Assim que chegamos, ela acendeu e atiçou um pequeno carvão, jogando algumas ervas por cima. Logo a fumaça tomou conta do quarto e eu pensei que fosse sufocar. Mas isso não aconteceu, pelo contrario, o delicioso cheiro da erva queimando me deu uma enorme sensação de paz. Eu logo reconheci o cheiro, era lavanda.

Caminhei ao redor do seu quarto, analisando cada detalhe, cada pedra de cristal e ri muito quando encontrei um caldeirão. Destes, de ferro fundido, enorme e negro.

Ela estava ali, parada na porta, a mascara calma de volta em seu rosto.

- Hey – eu disse entre risos – você tem certeza que eu não vou encontrar asas de morcego, ou dentes de dragão, ou mesmo uma língua de lagarto dentro deste caldeirão?

Ela deu um longo suspiro, jogou a enorme mochila em um canto do quarto e caminhou até minha direção.

- Oh, eu nunca vou me cansar da velha piadinha da bruxa e seus encantamentos. Obrigada Nicolle.

- Você esta chateada com meu comentário ? – eu perguntei, fitando o seu rosto em busca de algum sinal de mágoa. Eu não queria chatea-la com comentários sobre o que ela acreditava.

Ela pensou por alguns instantes e pegou a minha mão, me puxando em direção a sua varanda.

- Na realidade não. Não estou chateada. – então ela apontou para várias plantinhas – Ali esta, dente de dragão, unha de gato, olhos de salamandra... As antigas bruxas davam estes tipos de nomes a ervas para que elas não fossem reconhecidas e seus encantamentos continuassem em segredo. Então cada nome nojento desses, que fazia qualquer criança se revirar na cama, na realidade é um código para alguma planta, erva ou condimento. Nada, além disso.

Eu não imaginava nada assim. Gostei da linha de raciocínio das antigas bruxas.

Foi então que eu vi a foto de um garoto na parede de Danielle. Parecia com ela, em versão masculina e mais velha.

- Quem é ele? – eu apontei para o retrato na parede.

- Meu irmão, Kyle. Ele tem vinte e um agora.

- E aonde ele esta?

- Marinha – ela disse pensativa – sinto falta dele. As coisas eram um pouco diferentes quando ele ainda estava em casa.

- Por quê?

- Você conheceu meus pais Nicolle. Eles sempre estão preocupados com suas próprias coisas e o trabalho de ambos os consome . Com meu irmão, sempre tínhamos a companhia um do outro. Quando ele partiu, foi bem dolorido. Mas ainda mantemos contato, o sistema de comunicação on line da marinha funciona.

- Deve ser bom ter irmãos. Quando eu era mais nova, eu sonhava com um irmão, ou mesmo uma irmã.

- Você é filha única.

- Sim. – eu disse.

- Bom, se uma amiga resolver seu problema, aqui estou eu – ela disse levantando os braços , como uma garotinha.

Eu ri.

- Obrigada – eu disse – e você pode contar comigo também.

Ela me deu um rápido abraço e correu em direção ao seu closed. E olha, eu tinha que dizer, era bem grande e eu ficaria imensamente feliz com um daqueles no meu quarto. Ela voltou com vários potinhos de plásticos cheios de alguma coisa dentro. Eu acho que eram ervas ressecadas.

- Aqui – ela disse me entregando um dos potinhos – o resultado de minha pesquisa sobre insônia . Recolhi algumas ervas, com efeito acalmante – então ela me entregou uma pequena trouxinha de tecido branca e muito perfumado– e esse aqui é um saquinho de lavanda , para você usar embaixo do travesseiro. Com isso e alguns rituais, acho que podemos resolver seu problema.

Eu já havia ouvido aquilo,eu tinha certeza sobre isso. Busquei em minha mente e lembrei-me de minha avó, pois sempre que eu estava um pouco resfriada ou com cólica, ela colocava algumas florzinhas de camomila na banheira, e pedia para eu ficar ali, quietinha, sentindo o calor da água. E sempre dava certo, mas eu nunca dei muita importância. Agora parecia mais sério para mim. Por mais que eu achasse absurdas todas aquelas coisas que Danielle acreditava eu absorvia cada informação, como se realmente elas pudessem me ajudar.

Eu estava tão desesperada para ter um pouco de paz, que tentaria qualquer coisa, isso eu tinha certeza.

Foi então que eu percebi Danielle toda agitada, trocando os lençóis de sua cama, enquanto puxava uma cama de hospedes, que ficava debaixo da sua, indo varias e várias vezes ao seu banheiro, carregando um monte de potinhos em seus braços.

- Você quer ajuda? – eu perguntei.

- Não, você vai tomar um banho agora. A banheira já esta cheia, e, por favor, só saia de lá quando se sentir muito, mas muito relaxada.

Foi o que eu fiz. Peguei meu pijama e minha nécessaire na mochila que eu havia trazido. E fui direto para o banheiro de Danielle.

Quando eu entrei, percebi que o banheiro dela era duas vezes maior que o meu. E era rosa, azulejos e louça, tudo em vários tons de rosa perfeitamente combinando. E claro, vários vasinhos de flores estavam espalhados em todos os lugares.

Foi então que eu vi o fruto da agitação de Danielle. Ela havia colocado uma música, dessas de relaxamento em um player que ficava ao lado de sua banheira. Um incenso suave queimava, e algumas velas de tonalidades delicadas também estavam acesas. Olhei para a banheira e varias ervas flutuavam na água.

Ela havia colocado um bilhete ao lado da banheira.

“Não se esqueça, nada de sair enquanto não estiver bem tranqüila e relaxada. Qualquer problema, grite, estou aqui ao lado. Dann “

Eu segurei o bilhete entre as minhas mãos e o apertei. Senti uma total e completa amizade por Danielle. Mal nos conhecíamos, e aqui estava ela, tentando me ajudar, com todo seu jeitinho diferente.

Rapidamente tirei a minha roupa e entrei na banheira. A água estava quentinha e cheirosa, emanando uma onda de tranqüilidade em cada músculo tenso de meu corpo.

Eu sabia que precisava limpar a minha mente de todo e qualquer pensamento, mas naquele momento, lembrei de todos os acontecimentos daquela semana. Desde o meu primeiro dia no colégio, aos meus pesadelos que pioravam a cada dia, as minhas noites insones e meu medo de que eu estivesse perdendo a sanidade. Lembrei do perseguidor loiro que tanto me amedrontou e do homem jovem, de olhar bondoso.

Pensei em meus novos amigos, em Jack e ao carinho que ele demonstrava por mim, de uma forma que eu sabia que não estava pronta para retribuir. Lembrei da raiva não contida que eu sentia por Jéssica e sua assecla de bronzeadas e metidas. Aquele mundo de aparências que não era o meu mundo, não era a forma com a qual eu sabia viver.

Foi então que eu me lembrei de meu ultimo sonho, tão vívido e dolorido, aquela sensação de perda e solidão que apertava o meu coração , e me enchia de tristeza. Lembrei do caos que eu sentia, vendo as tochas chegando cada vez mais perto. E depois de todo o caos, eu lembrei, finalmente do encontro com Henry Nicholls na praia, aquela mistura de nervosismo e paz que eu senti ao estar com ele. Eu senti minha pele formigando ao lembrar do calor de seu toque , da intensidade de seus olhos azuis e do seu lindo sorriso.

Sim, eu tinha certeza que eu estava sendo patética completamente patética ao pensar sobre ele dessa forma. Eu havia deixado o seu livro guardado na gaveta do meu criado mudo, e nem sequer tinha aberto alguma de suas paginas.

A água morna fazia meu corpo ficar mais e mais relaxada, e eu sentia cada batida daquela musica relaxante entrando por meus ouvidos e chegando até cada um de meus músculos. Eu estava leve, tão leve, que meus olhos estavam começando a ficar pesados. As chamas das delicadas velas dançavam em espiral, um lindo balé que atraia os meus olhos. Era como se aquelas chamas estivessem dançando para mim, para meus olhos, fazendo que eu levantasse minha mão com vontade de tocar aquela chama. Mas eu não conseguia levantar minhas mãos, elas estavam tão leves que não obedeciam ao meu comando.

Eu sabia que estava perdendo algo, alguma amarra que resolveria todos aqueles problemas, mas não agora. Eu queria apenas fechar os meus olhos, e eu sabia que nada de errado aconteceria ali, no banheiro de Danielle, como por exemplo, eu me afogar em sua banheira. Sim, soava ridículo, mas nos últimos dias eu poderia esperar qualquer coisa de mim mesma.

Tantas perguntas em minha mente, qual seria a chave daquele mistério?

Eu fechei meus olhos. O cheiro doce de lavanda entrava por meu nariz. Aquele cheiro estava por todos os lados. Aquilo estava errado. Então eu abri os meus olhos, e quando olhei em volta, eu estava correndo em um campo.

Um lindo campo lavanda, lavanda por todos os lados, até aonde eu não poderia mais enxergar. O horizonte era lavanda, cintilando a luz do sol. Lavanda como a cor da túnica de algodão que eu vestia.

Uma voz doce de mulher cantava ao fundo. Eu sabia que deveria ir ao encontro dela. A voz era tão doce, que me abraçava, e eu tinha aquela sensação de voltar para casa, após uma longa viagem.

Eu quis correr e correr e correr. Mas então eu tive medo. A ultima vez que isso tinha acontecido não havia sido bom, pois eu havia encontrado aquele homem, a raiva brilhando em seus olhos, aquelas mãos que queriam me tornar cativa. Não, eu não poderia continuar. Eu parei ali onde estava e fechei meus olhos com força.

Acordei assustada na banheira de Danielle. Eu havia dormido por quanto tempo?

Sai apressada da banheira e me sequei meio que superficialmente, e em um salto já estava usando meu pijama e já tinha escovado os meus cabelos.

Mas eu ainda estava com sono, meus olhos estavam pesados, meus músculos entorpecidos.

Quando eu voltei ao seu quarto, as camas estavam prontas, ela havia acendido alguma velas também. Era o mesmo cheiro de lavanda, por todos os lados.

Ela estava em sua varanda com uma grande taça de cristal e uma pequena bacia nas mãos quando me viu.

- Hey – ela disse, levantando os olhos – eu já estava preparada para invadir o banheiro a qualquer momento se você não voltasse logo.

- Eu demorei muito? – eu disse meio que bocejando. Ela riu.

- Quase meia hora. Vejo que deu resultado, você esta caindo aos pedaços de sono.

- Eu estou bem – eu disse com a voz pesada – eu estou ótima. Você... você quer conversar ?

- Claro que eu quero, mas com uma amiga viva, e não uma desmaiando pelos cantos. – então ela estendeu á mão em minha direção – Venha cá, vamos tentar resolver este seu problema.

- Este é um ritual para abrir os seus olhos e sua mente, para que você veja os seus problemas e as soluções com clareza. Não ria, por favor, isso é sério e eu tenho certeza que vai te ajudar, e eu farei contigo. A água, é a fonte da vida, é aquela que nutre e limpa. Algumas lendas dizem que a água é o sangue da grande Mãe, a Deusa. Neste ritual, lavaremos os olhos para que possamos enxergar a realidade.

Eu fiquei bem quieta ouvindo a sua explicação. Ela era tão pequena, mas ao dizer aquelas palavras ela era grande, grande e sábia, e eu tinha respeito pelas convicções dela, apesar de não acreditar. A verdade saia em suas palavras. Eu queria ter aquele tipo de fé que ela tinha, em alguma coisa.

- Você se importa se fizermos uma oração á Deusa? – ela perguntou timidamente.

- Não, eu não me importo. – e eu estava dizendo a verdade.

Então ela me entregou a bacia prateada, e elevou a taça, em direção ao céu.

- Mãe, Deusa encantada dos bosques e das florestas, tu que estas presente no ar que respiramos, na terra que pisamos, no fogo que nos acalenta e nos protege e na água que nos alimenta , esteja presente aqui , neste quarto. Pedimos-lhe para que o véu da noite seja rompido de nossos olhos, e que possamos enxergar a realidade que esta oculta de nós. Peço-lhe gentilmente, que ajude minha amiga Nicolle, a encontrar o seu caminho, longe do medo e das preocupações. Proteja e vele o seu sono, minha Mãe, tirando toda a escuridão de seu redor. – então ela deu um pequeno sorriso para mim – Que assim seja e assim se faça.

Aquelas palavras tão sinceras e cheias de emoção tomaram conta de mim, tão profundamente que eu nem percebi que ela estava esperando que eu respondesse alguma coisa. Eu disse a primeira coisa que veio em minha mente.

- Que assim seja e assim se faça. – eu repeti.

Ela ficou toda alegre e estendeu a taça em minha direção, jogando um pouco de água na bacia que eu segurava.

- Lave os seus olhos – ela pediu – esta água foi banhada pela luz da lua cheia, em meu ultimo Esbath. Peça a Deusa que ilumine seus olhos, e que toda a verdade que você deseja seja revelada. Peça a chave de seus problemas, seja eles quais forem.

- O que é um Esbath? – eu perguntei, com a voz ainda carregada pelo cansaço.

- É um ritual feito na lua cheia. Em vez de uivar para a lua, como as garotas lhe disseram, as bruxas celebram a passagem da lua cheia. Isso é um Esbath. Agora faça o ritual, por favor.

Fiz o que ela pediu, sem ao menos questionar. Molhei as minhas mãos na bacia e levei a água na direção dos meus olhos, pedindo exatamente aquilo que ela me dizia – a verdade, a chave de todas aquelas noites insones, e da estranheza da minha vida, nos últimos tempos. Sim, eu não era exatamente muito normal desde os meus dezesseis anos, mas aquela ultima semana havia sido o ápice do caos. Em seguida Danielle fez o mesmo, seus olhos sérios, apesar de brilharem intensamente, um sorriso tranqüilo em seus lábios.

Eu bocejei mais uma vez, o sono dominando todos os meus sentidos.

- Hora de dormir – Danielle afirmou, enquanto eu me dirigia inconscientemente para a cama de hospedes.

- Não – ela disse segurando o meu braço – você dorme na minha cama, eu fico com a de hospedes.

- Não – eu tentei questionar – não, eu durmo na de hospedes, não precisa fazer isso Dann.

Ela negou com a cabeça, me empurrando em direção da sua cama.

- Não, ela já esta arrumada para você – ela apontou para um círculo tecido em linha , em formas espirais e algumas penas pendendo de sua base , que estava bem em cima da cabeceira da cama – ali, um filtro dos sonhos , para garantir que seus pesadelos fiquem longe de você. E embaixo do travesseiro, um saquinho de alfazema para atrair tranqüilidade e bons sonhos.

Eu quase não conseguia ouvir mais as suas palavras, e rapidamente me enrolei no edredom da cama de Danielle e fechei os meus olhos, quase sem sentir medo de fechar os meus olhos. Eu me sentia protegida, o doce cheiro da alfazema em todos os lugares daquele quarto.

- Boa noite Dann - eu disse, meio enrolando as palavras.

- Boa noite Nicolle. E eu espero ter bons sonhos mesmo, quem sabe sonhar com o Orlando Bloom em O Senhor dos Anéis.

Antes que eu pudesse registrar as palavras de Danielle, ou ao menos rir de seu gosto para caras, eu percebi que já estava inconsciente. Meu corpo já estava leve novamente, mas eu não estava completamente adormecida. Eu sentia o cheiro de alfazema, mas algo mais ao fundo. Eu ficava cada vez mais leve, mais e mais, e quando abri os olhos eu podia ver todo o quarto de Danielle, mas de outro ângulo, como se eu flutuasse, se o visse por cima. Aquilo me deixou com medo, muito medo, pois eu via a sua cama, via Dann deitada, mas de olhos abertos, lendo um livro iluminado pela chama de uma vela, com certeza com medo de me acordar.

As chamas das velas dançavam em espiral novamente, mas era diferente, como se as chamas formassem um espiral de luz, como uma porta, ou algo parecido. As sombras provocadas pelas velas estavam brincando com os meus olhos.

Olhei mais uma vez para baixo e fiquei meio apavorada ao perceber um montinho enrolado em cobertas, podendo ver apenas uma ponta de cabelos negros saindo pelas pontas. Oh meu Deus, aquela ali era eu, eu tinha certeza. Mas como eu conseguia me enxergar dormindo, se eu estava acordada e olhando tudo por cima?

Ah claro, aquele deveria ser o mais louco de todos os meus sonhos.Até o momento.

Aquela voz que eu havia ouvido momentos antes estava cantando novamente, doce e terna, me chamando em sua direção.

Eu fechei os olhos tentando controlar o pavor que eu sentia em ver meu corpo ali dormindo. Como isso seria possível?

Sim, eu devo ter perdido o que restava da minha sanidade.

A voz era tão hipnótica e eu desejei ardentemente ir em sua direção. “Vá até ela” algo sussurrava em minha mente.

Eu abri meus olhos e estava de volta ao campo de alfazemas. Dessa vez, eu corri em direção a voz, as flores em encontro á minha túnica de algodão, o sol iluminando a minha pele. Uma brisa suave agitava ainda mais o cheiro de alfazema e bagunçava os meus cabelos soltos.

A sensação era maravilhosa, e eu corria e corria desta vez me divertindo com a velocidade, era como se eu mal tocasse meus pés no solo. Eu flutuava. Ou eu seria tão veloz que meus pés não tocavam o chão?

Já que eu estava louca mesmo, ao menos podia me divertir um pouco.

Ao longe eu vi uma mulher, seus longos cabelos negros balançando ao vento, como as mangas de sua túnica branca. Ela não parecia real, a luz do sol a iluminava como uma pintura. Era ela quem cantava.

O vento se agitava ao seu redor como um redemoinho, mas era impossível, pois não havia destruição, apenas paz. Aquele redemoinho de repente veio em minha direção e me puxou em direção a mulher.

“Bem vinda Filha, seja bem vinda” – eu ouvia o vento sussurrar.

Mas meus olhos estavam fixos na mulher, de sua doce voz e da luz que emanava de seu corpo.

Então quando eu percebi eu estava a seus pés, sentada e sem fôlego.

Ela parou de cantar , e me fitou. Era impossível descrever a cor de olhos. Eu poderia dizer azuis, verdes, negros, ou uma infinidade de cores. Era a coisa mais linda que eu já havia visto em toda a minha vida.

Assim como ela. Era difícil dizer a sua idade, mas eu podia jurar que ela tinha a minha idade , talvez alguns anos a mais, se muito. Mas seus olhos, seus lábios , tudo dizia que ela era mais velha. Muito mais velha.Mais velha que meus pais. Ela tinha aquele olhar sábio e paciente que eu via em minha avó.

Ela sorriu para mim e me estendeu a mão, me ajudando a levantar.

O vento suave nos envolveu, como um manto. Eu queria tocar seu rosto, para descobrir se ela era real.

- Bem vinda, minha pequena criança – ela disse, sua voz soava como sinos em meus ouvidos – bem vinda minha filha. Eu a espero há muito tempo.

- Quem... quem é você ?– eu gaguejei.

- Eu tenho muitos nomes – ela disse o sorriso resplandecente aumentando em seus lábios – assim como eu tenho muitas faces. Sou a donzela, a mãe a anciã.

- Eu . Não. Entendo. – eu murmurei.

- Não ainda , minha pequena filha. Você se esqueceu , e eu entendo. Entendo tudo que você sofreu em nome de suas irmãs, de seu clã e em meu nome. Talvez seja a sua escolha iniciar novamente o seu Caminho.Sei que você esta confusa, minha querida filha, mas eu fico feliz que finalmente tenha vindo a mim.

Suas palavras fizeram a minha mente girar. Minha escolha? Minhas irmãs e meu clã? Eu me lembrei da noite passada e de meu sonho, da solidão pela perda do homem que era meu pai , pela minha irmã ferida. E uma outra dor ,a traição e a solidão que eu sentia por um homem, que eu não lembrava o rosto nem o nome. O que tudo aquilo queria dizer?

- Quem eu sou ? – eu perguntei a ela , levantando meu queixo no que poderia ser interpretado como uma afronta. Mas seus lábios mantinham o sorriso, apesar de seus olhos demonstrarem algo... como piedade. Por que ela tinha piedade de mim ?

- Uma Filha do vento, é isso que você é. Você é minha filha. E você não esta sozinha.Como deveria ser desde o começo, o caminho de vocês esta se cruzando. Abra os seus olhos e seu coração, criança, para o que você e suas irmãs são.

- Não – eu queria gritar – eu não tenho irmãs. Que loucura é essa ?

Então ela virou seus olhos para a esquerda, Eu acompanhei seu olhar e vi uma garota dormindo, os lindos cachos escuros de seus cabelos emoldurando seu rosto. Eu vi Danielle dormindo tranquilamente, em uma cama de palha, embaixo da copa de uma árvore. Ela não deveria estar dormindo em seu quarto? Não era ali que eu também deveria estar.

- Você não a conhece? – ela sussurrou.

- Claro que eu conheço. É minha amiga Danielle. O que afinal eu sou? O que você quer dizer com tudo isso?

Havia lágrimas em meus olhos, minha garganta estava seca. Quem era ela , quem eu era afinal?

- Uma sacerdotisa, uma bruxa – ela murmurou, levantando a sua mão e tocando de leve o meu rosto – dê o nome que seus ouvidos se acalmarem ao ouvir. Mas mantenha os seus olhos abertos, o tempo clama por vocês.

- Eu não sou uma bruxa – eu gritei, dando um salto para traz, ficando longe de seu toque e daquela sensação de paz que ele emanava pelo meu corpo – Eu sou apenas uma garota, não uma filha do vento ou sei lá o que. Me deixe em paz, se você não pode me ajudar.

O vento que nos envolvia se enfureceu fazia as nossas roupas se agitarem. Mas ela continuava calma, o carinho estava ali em seus olhos.

- Caminhe naquela direção, então e veja com seus próprios olhos. Este é o seu dom e o seu futuro. Apenas não se esqueça minha filha, não demore, o tempo clama. Vocês já se encontraram as minhas pequenas crianças. Agora se inicia a era das revelações de sua vida.É o seu destino.

O vento me empurrou sutilmente para a direita, para uma floresta fechada e um pouco escura. Eu queria voltar para trás, queria perguntar o que ela queria dizer, eu tinha mil perguntas. Mas a força do vento me compelia a correr para o caminho que ela apontava. Mas eu ainda ouvi a voz, a voz de sinos daquela mulher soando em meus ouvidos.

“Sempre confie em seu coração, pequena criança. Você nunca estará sozinha. Aceite as mãos que se estenderem em sua direção.E cuidado com as sombras.”

Eu estava correndo novamente, em direção a floresta, os galhos das árvores machucando o meu rosto. Conforme eu adentrava naquela floresta, a escuridão ia tomando, o dia se transformava em noite.

E eu corria , e corria e corria. Eu era veloz. Eu gostava de ser veloz. Eu era rápida como o vento.

Lá no fundo eu via uma chama dançando, iluminando aquela escuridão. Eu tinha medo de que , no fundo , eu voltasse aquele sonho e aquela solidão, mas não era isso que eu sentia.

Eu via pessoas ao fundo. Conforme eu me aproximava, aquelas pessoas iam ficando cada vez mais claras. Eram cinco pessoas, em volta de uma fogueira. Elas estavam de pé formando um circulo.

Eu me escondi atrás de uma árvore, temendo que elas me vissem.

Todos usavam um manto negro, cobertos com um capuz. Eu via apenas as mãos e cabelos soltos, caindo pelos ombros, os rostos olhando para baixo, ainda escondidos pelo capuz.

Eram quatro garotas e um homem. Isso era fácil perceber, pela forma de seus corpos, mesmo escondidos pelos pesados mantos.

As quatro garotas elevaram as mãos para os céus , e eu senti um tremor pela terra enquanto o vento se agitava e as chamas da fogueira ficaram mais vivas. Eu conseguia ouvir o barulho de água no fundo, como uma cachoeira ou ondas enfurecidas.

O homem tinha um cajado em sua mão. Ele se dirigiu ao centro, e eu ouvi a sua voz, clara e profunda.

- Filhas – ele disse – o poder nos chama. O amor nos une e nos seios de nossa Grande Mãe nos protegemos. Sacerdotisa do fogo, nos mostre o seu poder.

Uma garota se aproximou dele, o rosto ainda oculto pelo manto. Ela levou uma mão ao coração e a outra em direção ao fogo.

- Com amor e confiança dentro deste circulo – ela disse, a voz calma e melodiosa – eu peço a proteção e o amor para o nosso clã. Em nome da Deusa, eu me apresento.

Então a garota levantou o rosto e abaixou o seu capuz. Seus enormes olhos castanhos olharam diretamente para mim. Minha respiração ficou presa em meus pulmões e eu quase engasguei quando eu a vi. Ela levou as mãos em concha em minha direção. Foi então que uma explosão vermelha se deu bem em frente em meus olhos. A garota tinha fogo em suas mãos.

Eu queria gritar, ela ia se queimar, ela ficaria feriada, será que nenhum deles via o perigo?

Mas ela sorria. O fogo não a queimava, ele brotava da palma de suas mãos.

Eu engasguei. Um grito agudo ficou preso em minha garganta.

Pois a garota, com fogo nas mãos, era eu.

Playlist "As filhas do vento"


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