- Ernest Hemingway foi, sem sombra de dúvidas, um dos maiores escritores de todos os tempos.
Trabalhou como correspondente de guerra em Madrid durante a Guerra Civil Espanhola e a experiência inspirou uma de suas maiores obras, Por Quem os Sinos Dobram
Ao fim da Segunda Guerra Mundial se instalou em Cuba
Teve uma vida turbulenta , de amores , traições , espionagem , quatro casamentos e acabou suicidando-se aos 61 anos repetindo o ato de seu pai Ganhou um Pullitzer em 1953 , por “O velho e o mar “ e foi prêmio Nobel da Literatura em 1954.
A voz da Sra. Charlotte , grave e profunda era hipnótica .Eu estava começando a gostar muito daquela aula – aparte o meu nervosismo , ao perceber que estava ha poucas fileiras de Henry Nicolls , desta vez sem nenhuma das beldades bronzeadas , nem algum de meus ou de seus amigos
Era uma sala pequena , uns 20 alunos contando comigo e com ele , e eu não conhecia a maioria . Estavam todos sérios e compenetrados , escutando com atenção a explicação sobre Ernest Hemingway – autor que eu confesso, pouco conhecia .
- Então, crianças, nas proximas quatro semanas estudaremos Hemingway , suas obras e sua vida, e eu espero que todos vocês se apaixonem por ele tanto como eu. Trabalharemos em duplas, para as discussões , e estou disponibilizando exemplares de Adeus às armas – ela caminhava entre as fileiras , nos entregando os livros , transmitindo uma aura de sabedoria e tranquilidade. – Farei a escolha das duplas por sorteio , assim vocês podem ter a oportunidade de conhecer outros colegas. E semana que vem assistiremos ao filme , de 1957 – feito bem antes dos efeitos especiais e pancadarias que conhecemos hoje , mas acredito que será bom acrescentar um pouco de cultura nas suas cabecinhas .
Todos riram . Eu apenas sentia uma forte apreensão sobre esta historia de sorteio de duplas para o trabalho.
Eu não gostava muito desta historia de sorte ...
Ela passou pequenos papeis entre nós , para escrevermos nossos nomes , todos do mesmo tamanho , ao que ela pegava imediatamente e colocava em uma pequena cesta preta , que ela chacoalhou varias vezes , para que nossos nomes nos misturassem .
Assim que começou o sorteio , um papelzinho seguido do outro, eu sentia meu coração dar um pulo . Eu tinha certeza que isto não seria nada bom .
Foi então que eu ouvi meu nome , alto e claro, pronunciado pela Sra Charlotte.
- Nicolle Crystal , sua dupla será Henry Nicolls .
Oh droga . O que ?
Eu não consegui ouvir o resto da escolha das duplas . A única coisa que eu ouvia era meu coração, martelando violentamente em meus ouvidos . Eu baixei meus olhos para a carteira , querendo abrir um buraco no chão para me esconder.
De novo.
- Agora todos vocês devem procurar os seus parceiros , se apresentar e conversar um pouco sobre a história do livro , o tempo , surf , o que vocês preferirem . Mas eu aconselho que seje realmente sobre a história . Teremos muito trabalho nas proximas semanas.
Vi que todos estavam levantando de suas carteiras , procurando seus parceiros,dando risadinhas, puxando suas cadeiras . A confraternização começava .
Eu não me mexia .
Então uma voz profunda – que já estava se tornando familiar falou meu nome.
- Nicolle ?
Eu levantei meus olhos e ele estava ali. Aqueles cabelos bagunçados e negros , os olhos brilhando daquele azul tão profundo .Ele não sorria .
Era cuidadoso e muito educado .
- Posso me sentar ?
- Claro – respondi, agradecendo por encontrar a minha voz e não soar tão idiota naquele exato momento.
Ele puxou uma cadeira ao meu lado. Eu conseguia sentir o cheiro de seu perfume – sofisticado e discreto, mas eu não identificava o cheiro. Apenas era bom . Muito bom.
Oh, como eu queria me chutar por ser tão estúpida .
Ficamos alguns segundos em um silêncio constrangedor. Eu não ousava levantar os olhos da minha mesa, e começei a brincar com as paginas do livro . Quem quebrou o silêncio foi ele.
- Você conhece Hemingway ?
- Na realidade não muito .Nunca li uma obra dele .Acho que não posso falar que é um dos meus escritores favoritos.
Eu dei de ombros e ele riu . Um som abafado e baixo.
- Pois deveria . Ele é muito bom . Acho que você vai gostar deste livro .
Eu apenas olhei para ele . Ele passou as mãos pelos cabelos e parecia que procurava um assunto para conversar comigo. Com certeza ele deveria estar me achando uma pateta mesmo.
Ah, qual é , eu não ia desmaiar apenas por estar ao lado dele .
Eu tenho algum orgulho. Mesmo que ele esteja fraquinho, sentindo aquele cheiro delicioso.
- Quais seus autores favoritos ? – ele perguntou
- Gosto das irmãs Brontë, Austen , Gabriel García Márquez...
- Uau – ele disse. - Apenas clássicos?
- Não, eu gosto de outras coisas.
- Que tipo de outras coisas?
- Eu tenho um fraco por histórias de Hobits – eu disse, sem nem perceber que estava rindo. Eu simplesmente estava falando – Ah, e todos aqueles livros de vampiros que estão fazendo sucesso.
O sorriso dele aumentou.
- O que foi? – eu perguntei com uma ponta de irritação – Não se deve julgar um livro pela capa.
Ele me olhou, muito, muito sério.
- Eu também gosto desses. Se você não quiser que ninguém saiba, é apenas não contar sobre mim, que eu não conto sobre você.
Eu ri. Ele era agradável. O sorriso dele voltou em seus lábios, e eu percebi que ele era absurdamente muito bonito. Tinha uma covinha em sua bochecha e lábios cheios, atrevidos.
Decidi dar um tempo com meu antagonismo sobre ele.
Apenas temporariamente.
- O que conta esta história? Do Hemingway? – dessa vez eu perguntei.
- É um pouco autobiográfica. Conta sobre um romance entre uma enfermeira e um jovem soldado, durante a Grande Guerra. Ele tem que decidir entre a honra de lutar em uma guerra perdida ou ao amor da mulher que ele ama, e esta esperando um filho dele.
Percebi que estava começando a ficar meio boba em sua presença, ao cheiro, ao sorriso. Até que me lembrei de Jéssica e ao seu gosto por líderes de torcidas ricas e anoréxicas.
Eu soltei sem pensar no que dizia:
- Na realidade, Hemingway era um conquistador inveterado, e apenas se aproveitada de todas estas mulheres.
Ele me olhou confuso.
- Como? Eu não entendi.
- Simples – agora a minha irritação estava mais intensa – Ele teve quatro casamentos, não sei quantas amantes, e sempre que se dizia apaixonado por uma abandonava a antiga. E assim foi por toda a sua vida. Por isso que eu digo, apenas um conquistador atraz de alguma bela mulher.
- Às vezes, Nicolle, ele apenas se sentia perdido por não ter encontrado um amor verdadeiro, ou justamente por te-lo perdido. Tentou buscar em outras mulheres o que ele não tinha, procurando algo que talvez ele não conhecesse.
- Isso é uma desculpa para a infidelidade. Uma forma bonita de dizer mentiras e enganar alguém.
A expressão dele ficou sombria. Seus lindos olhos claros ficaram mais escuros e ele ficou fitando o tampo de nossa mesa.
Eu também estava constrangida, me sentindo estranha por aquela conversa. Eu nem sabia por que estava com tanta raiva de Hemingway. O que eu tinha a ver com a vida daquele cara?
- Você tem razão – ele disse depois de um longo minuto – Isso sempre machuca alguém. Pessoas machucam outras com desculpas tolas.
Eu nada respondi. Fiquei ali olhando para ele, tentando entender aquela mudança brusca de humor.
Na verdade, aquela situação – toda aquela situação – era estranha.
Eu abri o livro e tentei folhear algumas folhas aleatórias, fingindo que prestava atenção em algo. Na verdade poderia estar escrito em grego antigo ou aramaico – para mim, naquele momento não faria a menor diferença.
A Sra. Charlotte circulava entre as mesas, conversando com os alunos, emanando aquela aura de sabedoria e bondade. Após alguns segundos, ela parou em frente a nossa mesa e colocou uma mão camarada no ombro de Henry. Ela olhou diretamente para mim.
- O Sr. Henry Nicolls, Srta. Nicolle é um ótimo aluno e um expert em Hemingway. E a Srta. tem excelentes notas, já verifiquei seus registros em nosso banco de dados. Vocês têm muita sorte de serem parceiros de estudos em nossas aulas. Terão muito que aprender juntos.
Eu apenas olhei para ela, tentando não ficar corada, enquanto ele voltava seus olhos, procurando os meus.
Oh meu Deus.
Eu esperei apenas alguns momentos, o suficiente para a Sra. Charolotte se afastar de nosso lugar. E respirei profundamente e tentei não olhar naqueles olhos, nos quais eu facilmente me perderia, se eu não me controlasse agora mesmo.
- Henry, posso te fazer uma pergunta?
- Claro. – ele respondeu um pouco surpreso, arqueando uma de suas sobrancelhas.
- Você é do time de futebol, um astro pelo que eu soube, e provavelmente não precisa freqüentar estas aulas, e eu acho que nem tem tempo, com os treinos, estas coisas – e eu imagino quais seriam as outras coisas - Desde quando atletas gostam de Literatura?
De repente seus olhos brilharam de raiva, com um brilho perigoso. Eu gostaria tanto de ter mantido a minha boca fechada.
- Nicolle... Srta. Crystal – sua voz era dura – eu a conheci defendendo uma pessoa que você nem conhecia. Para uma paladina da justiça, você julga muito facilmente as pessoas. Não me julgue sem me conhecer, por favor.
Eu estava fazendo isso. Eu realmente estava fazendo isso. Meu segundo dia naquela escola e eu já estávamos rotulando alguém. Alguém que, indiferente das minhas opiniões pessoas não merecia meu julgamento.
Eu queria me desculpar por aquela grosseria e dizer que sentia muito . Eu queria lhe dizer que não tinha o direito de falar aquilo. Mas eu fiquei apenas olhando para ele, sem dizer nada.
Quando o sinal tocou, ele levantou energicamente, e sem nem olhar para traz , murmurou “Até amanhã, Srta. Crystal”.
Eu não tive tempo – ou coragem – para responder.
Mais tarde, naquela mesma noite, eu me sentia completamente perdida. Eu havia sentado no confortável sofá que minha mãe havia colocado de frente a janela de vidro, em nossa sala. De lá eu conseguia ver, bem ao longe, a costa de west palm Beach. Tudo parecia tão calmo e tranqüilo, e se eu não reparasse naqueles prédios luxuosos e nos carros caros, eu quase poderia esquecer que estava naquele lugar, cheio de pessoas tão diferentes de mim.
Eu queria dormir. Eu estava tão cansada. Talvez todos os meus erros de julgamento e até o meu péssimo humor ao termino do dia escolar fosse por causa da falta de sono. Talvez fosse alguma outra coisa, mas não importava muito. Eu queria apenas deitar e deixar minha mente se perder na inconsciência.
Mas eu tinha medo. Eu estava tão cansada dos meus pesadelos, da sensação de perigo que me rondava a cada vez que eu fechava os meus olhos.
Quando o sol já havia se posto, eu ouvi uma música alegre – para os padrões de meus pais,que eram alegres lá pelos anos oitenta , com aquelas cabelos de poodle na chuva e aquelas roupas ...
È, meus pais já foram adolescentes, eu vi as fotos.
Oh, minha nossa, eles estavam ouvindo Bom Jovi.
Eu estava preparada para atormentá-los pelo seu péssimo gosto musical, quando uma cena , na cozinha, me fez parar de pronto, com aquela estranha sensação de estar invadindo a privacidade de alguém.
Eles estavam dançando.
Juntos, de rosto colado, as mãos de meu pai em volta da cintura de minha mãe, ela acariciando os seus ralos e muito curtos cabelos Eles pareciam tão felizes, tão em sintonia, como há muito eu não os via. Eles estavam felizes.
Era impossível resistir olhar para eles, mas eles mereciam aquele momento. Eu dei meia volta, tentando não fazer barulho no piso de madeira.
Eles sempre estavam tão ocupados comigo ou com o trabalho que eu sabia que na maioria das vezes eles não tinham tempo para cuidar de si mesmos.
E eles eram muito jovens...
Eu resolvi encarar os meus temores.
Fui para o meu quarto, liguei apenas a luz pálida de meu abajur e coloquei uma musica bem baixinha em meu CD player.
Coloquei meu pijama mais confortável, de algodão curto e fino e me enrosquei no meu edredom – nem me importando com o calor que fazia naquela estúpida cidade.
Eu fechei os meus olhos.
Apesar de toda tranqüilidade de meu quarto, eu estava nervosa. Meu coração batia forte e eu sentia minha garganta seca. Meus cabelos grudavam no meu pescoço e no meu rosto, pesados e pegajosos.
Eu queria abrir os meus olhos. Ainda não era hora de dormir. Eu não estava preparada.
Mas meu quarto não estava mais tranqüilo. Eu ouvia choros e gritos por todos os lados. Meus olhos estavam pesados, e eu apenas conseguia.
Abri-los um pouco. Eles doíam, assim como todo o meu corpo.
Minhas entranhas reviravam, com um forte cheiro de urina e fezes.
Algo no fundo queimava.
Foi então que algo pesado me atingiu, primeiro em meu abdômen, e depois em meu rosto. Algo me segurava dolorosamente pelos meus ombros, fazendo todo o meu corpo alquebrado doer. Era insuportável.
Eu queria dormir - ou morrer, eu não me importava na realidade, apenas aquela dor deveria parar.
Mais uma forte pancada. E mais uma. E outra.
Eu percebi uma mão percorrendo o meu corpo, Eu queria vomitar, mas apenas sentia o gosto de sangue em minha boca.
Eu estava perdida. E sozinha.
Em algum lugar de minha cabeça eu sabia que algo estava errado, mas eu não tinha forças para descobrir.
Por favor, apenas pare a dor.
Uma voz gritava em meus ouvidos, mas eu não conseguia entender realmente o que ele falava. Eu estaria morrendo afinal? Seria assim a morte? Solitária e dolorida?
Em algum momento eu consegui entender algumas palavras.
- Confesse bruxa! – uma voz sibilante, como a de uma cobra ecoava cortante em meus ouvidos. E o hálito fétido, eu sentia em minhas narinas.
O que eu deveria confessar?
De repente, uma voz suave como veludo falou em minha mente. Eu sabia que ele estava ali, mas não conseguia ve-lo, ou senti-lo.
“Apenas confie em mim” – a voz sedutora me dizia.
E eu senti mais uma violenta pancada em meu estômago, fazendo sangue jorrar pela minha boca.
Eu abri os olhos com violência e consegui pular, tentando correr para longe apesar de meu corpo castigado.
Então a realidade me atingiu, dura e forte, pior do que os socos que castigavam o meu corpo.
Eu estava de volta ao meu quarto. Minha pele suada, grudada em meu pijama. Meus cabelos em um ninho embaraçado, que eu sabia que seria quase impossível de arrumar.
Eu havia tido um outro pesadelo. Dessa vez ele havia sido pior, muito pior.
Meu corpo inteiro doía, meu estômago se revirava em náuseas violentas.
Eu corri para o banheiro, colocando o jantar para fora enquanto me debruçava no vaso sanitário.
“Confesse, bruxa” ainda ecoava em minha mente.
Bruxa.
Isso não podia mais continuar. Eu precisava de ajuda.
E eu acho que conhecia uma bruxa que poderia me ajudar.
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