Eu dei o meu mais zangado olhar para Danielle.
Mais uma vez.
- Aonde esta aquela historia de minutos atrás de que eu teria o meu tempo para contar os meus problemas e blábláblá? – eu perguntei.
Ela nem ao menos olhou em minha direção, já que tentava se entender com a direção do carro ecologicamente correto de sua mãe.
Aquilo começava a fazer meu sangue ferver e quase colocava em risco o meu bom humor adquirido naquele dia. Apesar dos meus olhos estarem pesados como se grãos de areia estivessem coladas em minha retina.
Claro que eu ainda sentia aquela enorme necessidade de conversar com ela e expor os meus sentimentos e problemas. Mas as súbitas mudanças de humor de Danielle me deixavam a maioria das vezes muito irritada. Era difícil entender as atitudes bipolares dela.
Mas o mais difícil era andar de carro com Danielle como motorista , já que ela conseguia transformar um caminho de pouco mais de cinco minutos em uma jornada de quase meia hora, pois além de ela dirigir a uma velocidade que deixaria qualquer vovozinha de oitenta anos bem estressada – de tédio - ela ainda contemplava cada avezinha ou árvore pelo caminho. Por duas vezes ela havia feito uma oração pedindo desculpas a alguma árvore por ter machucado as suas folhas. Sério, ela havia feito isso.
- Dann, eu estou falando com você – eu repetia pela enésima vez desde que saímos da minha casa – e eu quero conversar sobre aquelas garotas que conhecemos ontem. Eu tenho varias e várias perguntas.
- Eu também tenho, varias e várias perguntas – ela disse enquanto revirava os olhos – Ali, à esquerda. A Pat mora em Íbis.
Chegamos a uma rua toda arborizada, com algumas crianças brincando na calçada. A casa cinqüenta e nove era de Patrícia.
Ela nos esperava logo na porta, rindo com Hellen e Julliet, vidradas observando um cara latino, muito gato, que regava algumas plantas do outro lado da rua. Sem camisa, a pele morena e musculosa.
- Hey Dann, Nicolle, bem vindas ás portas do paraíso – ela apontou para o cara do outro lado da rua, nos cumprimentando do jeito típico da turma, batendo os pulsos e a mãos.
Não parecia mais estranho para mim.
- Ola garotas – eu disse – onde estão os garotos?
- Na marina de Júpiter – Patrícia deu de ombros – Hoje é dia de Regata Thonsom, e como os pais de Paul e Michel são engenheiros náuticos da companhia, estão todos lá.
Júpiter era uma província de Palm Beach, e ficava a poucas milhas de West Palm. Ao que eu sabia muitos dos reis de West Palm tinham residência lá.
O que eu não sabia era que, a empresa da família de Trevor Thonsom organizava uma regata com seu nome, muito menos que os pais de Michel e Paul eram seus funcionários. Só de ouvir o nome Thonsom, Danielle torceu o nariz. Ela realmente não gostava dele e eu queria saber de onde nasceu toda aquela antipatia.
Hellen se aproximou, segurando eu e Dann pelos braços.
- Vocês viram o novo vizinho da Pat? Oh, aquilo ali sim é quente – ela disse com as bochechas vermelhas – aposto que se ficarmos algum tempo aqui fora ele nos nota. Se bem que as únicas disponíveis aqui além de mim e a Julliet é você Dann. Já esta na hora, hein garota, de voltar ao mundo das vivas!
- As “únicas” disponíveis? - eu questionei.
- Ahã – ela confirmou – porque você pequena amiga novata, já esta na mira de nosso Jack e a Patrícia – ela deu uma leve cotovelada nela - tem namorado. Menos competição.
Eu tinha tanta coisa na minha cabeça naquele momento, que a única coisa que eu poderia pensar era em Jack ou no vizinho latino super sexy .
Ficamos ali fora, conversando sobre toda e qualquer coisa banal que se podia imaginar. Se bem que eu estava gostando, era sempre bom ter conversas um pouco normais, já que a ultima coisa que eu estava sendo era normal. Mesmo Danielle se comportava de forma mais tranqüila quando estava na presença das outras garotas. Aparentemente, somente comigo ela agia como uma louca. Mas uma louca, que eu sentia uma total e completa onda de amizade. Claro, aquilo deveria dizer alguma coisa dá já minha deteriorada sanidade.
A tarde caia depressa, e o céu rapidamente adquiriu aquele tom avermelhado do poente. Era bonito, e eu sentia a brisa suave e doce, da rua arborizada da casa de Patrícia, assim como o seu belo jardim florido.
Os pais dela estavam viajando, então ela estava sob a tutela de sua avó, que rapidamente se juntou a nós, trazendo chá gelado e biscoitos - aquela coisa fofa que todos esperamos das avós. A única coisa que eu não esperava era que a avó de Patrícia fosse jovem e tivesse a mesma pele bonita da sua neta, a mesma cor de um chocolate brilhante e fosse tão divertida. Seu sotaque era carregado, e ela nos divertia contando histórias da década de sessenta, dos “rapazes” da sua época, e agindo como uma de nós. Eu não conhecia muitas pessoas como Jaminie, ou “vovó Jaminie”, como ela gostava de ser chamada.
Eu percebi que estávamos tão ligadas as histórias da avó de Patrícia e ao vizinho novo, e aproveitei para chegar mais próximo de Danielle, que mantinha aquele ar distante que eu já tinha visto tantas vezes aquela semana. Irritada ou não, eu precisava falar com ela.
- Dann – eu chamei baixinho, com medo de chamar a atenção das outras.
- Eu sei, eu sei. Precisamos conversar. Mais tarde, huh? Não é apenas você que tem toneladas de perguntas, eu também tenho várias a seu respeito.
- Perguntas a meu respeito? – eu me assustei. O que ela queria saber sobre mim? Eu já estava tão estranha que até Danielle, que para mim, apesar de sua aparência de boneca, parecia uma alienígena a maioria das vezes. Uma que eu gostava muito, diga-se de passagem, mas mesmo assim, estranha.
Ela olhou ao redor, para ter certeza que ninguém estava prestando atenção em nós. E aparentemente não estavam, pois a vovó Jaminie havia conseguido atrair o vizinho bonitão com um copo de chá gelado. E com três garotas que eram todas sorrisos para com ele, claro.
- Sim, a seu respeito – ela confirmou – ou você acha que eu não reparei como você ficou estranha quando encontramos ás duas garotas , bruxas como eu, ontem a tarde. Você ficou tão estranha como eu. E além do mais, sua aura é tão confusa, que eu me perco e...
Eu a cortei sutilmente, tocando em seu braço. Não era sobre minha aura, fosse ela confusa ou não, ou outras coisas do tipo que eu queria conversar.
Não naquele momento.
- Não é isso que eu quero conversar Dann. É sobre outra coisa.
- Ah é?
- É sobre o Jack... - eu disse com um suspiro.
- Oh – ela respondeu. Eu adiava quando ela fazia isso.
- O que você quer dizer com “Oh”?
- O que você quer falar sobre ele?
- Você...você acha que ele realmente pode estar tendo algum tipo de interesse por mim?
Ela deu aquela risada suave, toda a tensão em seu rosto rapidamente esquecida.
- Oh, é isso? Acho sim, e isso é ótimo!
- Eu não – eu disse simplesmente.
- Por quê?
Nem eu sabia ao certo, mas conforme eu ia pensando, a idéia ia ficando mais e mais forte em minha mente.
- Porque eu sou nova aqui – respondi – e eu não estou pensando nisso no momento. E eu estou adorando a turma, não quero que nada atrapalhe, pois eu não vou corresponder a isso, entende?
- Não – ela disse – você tem uma razão mais forte do que a que esta me dizendo. Não vou perguntar agora. Mas o Jack é uma graça. Pense nisso, se há um garoto legal, esse é o Jack.
Eu não duvidava disso. Nem por um momento. Mas não era isso. Como eu poderia explicar a ela coisas que eu ainda não entendia. Como o fato de que, eu já estava pensando em outra pessoa. Alguém que eu sabia que não deveria , mas eu pensava. Oh, eu tinha que reconhecer, eu pensava. Ele não havia saído da minha mente desde o encontro que tivemos pela manhã.
- Uma graça – ela repetiu. Em seguida ela piscou, apontando para um carro já bem conhecido que parava em frente a casa de Patrícia –Olha, eles chegaram.E Nicolle , você se preocupa demais. Desse jeito vai ter rugas antes dos trinta anos. Aproveite um pouco a vida.
Jack, Michel e Paul desceram as pressas do carro de Jack, com varias e varias caixas de pizza nos braços. Jack e Michel estavam usando apenas uma regata, as suas peles bem bronzeadas, mostrando o quanto eles haviam aproveitado o dia de sol. Paul, ao que indicava a sempre branca pele, havia ficado bem escondido em sua camiseta pólo.
Eles nos cumprimentaram, todos animados, rindo e contando como havia sido a regata,da velocidade dos barcos, assunto que aparentemente deixavam eles todos excitados. Michel beijou Patrícia de um jeito doce e cúmplice e, e eu me senti até mal por estar olhando. Eles completavam um ao outro.
Percebi também, pela primeira vez como Julliet e Paul ficavam constrangidos perto um do outro. Estava claro que eles tinham um interesse mútuo, apenas eram tímidos demais para confessar. Oh, eu queria ajudá-los de alguma forma. Eu iria pensar nisso.
Foi então que Jack se aproximou de mim, com as bochechas um pouco vermelhas, e os olhos brilhantes e vivos. Foi então, que por algum motivo, eu o olhei de verdade pela primeira vez. Foi como um choque. Sim, ele era uma graça.
Através de sua regata verde e justa, percebi que ele tinha os braços bem torneados e musculosos, a pele dourada pelo sol. Os cabelos louros e espetadinhos brilhavam.
Mas o que mais surpreendia sobre ele, era o sorriso, quente, os dentes brancos e bonitos. Duas covinhas apareciam em suas bochechas, deixando o seu rosto como o de um garotinho na manhã de Natal.
Ao ver que eu o estudava, o sorriso dele aqueceu ainda mais e se largou.
- Oi Nicolle – ele disse todo animado – ainda bem que você veio.
Por algum motivo eu fiquei feliz com a forma que ele falava comigo, como se eu houvesse melhorado de alguma forma o seu dia.
- Oi – eu disse – claro que eu vim, eu não iria perder meu primeiro sábado com vocês.
Eu ouvi os risinhos das garotas, e percebi que todos nos observavam, Até a vovó Jaminie. Fiquei sem graça e me afastei alguns centímetros de Jack. Eu não havia percebido o quanto estávamos próximos.
Fiquei mais sem graça ao perceber que alguns minutos atrás, minha mente estava perdida pensando em outro garoto e agora eu estava aqui, percebendo pela primeira vez como Jack era bonito.
- As pizzas vão esfriar – vovó Jaminie cortou, dando um tapinha amigável no braço de Jack – vamos entrar garotos.
Eu rapidamente virei em direção a casa de Patrícia, quando uma voz doce e um pouco rouca falou bem atrás de mim.
- Temos a noite toda ainda pela frente. - eu ouvi Jack murmurar.
O final da tarde passou muito depressa, e quando eu percebi o bonito laranja do por do sol rapidamente se transformou no negro véu da noite.
As várias e várias caixas de pizza foram devoradas em pouco tempo, e quando eu der por mim estava rindo das piadas de Michel e Jack, implicando com o pobre Paul, que ficava na maioria das vezes vermelho como seus cabelos.
Era muito divertido, e percebi que todos eles, realmente formavam uma família. Muitas vezes brigavam entre si, como Hellen e Julliet que constantemente discutiam por alguma coisa boba, como qual ator de cinema era mais gato, ou a grife mais badalada de roupas no momento.
Danielle estava em uma animada conversa com vovó Jaminie sobre ervas e plantas.Ela anotava cada explicação recebida em um caderninho de couro preto.
Quanto ao Jack, ele foi o perfeito cavaleiro a noite toda, realmente me cercando de todo tipo de atenção que uma garota poderia desejar. Claro que me incomodavam os olhares fortuitos de todos os nossos amigos, e aquele clima de conspiração que eu sentia ao meu redor, como se todos realmente estivessem esperando que algo acontecesse entre nós. Era assim quando ele me servia mais um pedaço de pizza, ou perguntava se eu queria mais um copo de refrigerante. Ou mesmo quando no meio de alguma historia ou piada, ele sorria para mim, ou sempre tentava alguma forma de me tocar, em meu braço ou alguma mecha de meus cabelos.
Eu percebia que eu não estava incomodada com toda aquela atenção, era doce e gentil, e toda garota gostava de ser um pouco mimada, ainda mais por um cara tão fofo como o Jack. Mas eu não sentia aquele frio na boca do estômago quando estava perto dele, nem aquele nervosismo de fazer ou disser algo errado. Era simples e amigável.
Mas no fundo, eu sentia uma pontinha de tristeza, pois era justamente isso, amigável.Pois minha mente pensava em outra pessoa, de uma forma que eu ainda não conseguia reconhecer.
Eu estava detestando isso. Eu detestava não ter o controle sobre mim, o que já começando a se tornar um fato. Durante toda aquela longa semana eu quase não havia tido controle sobre mim mesma.
Jack estava sentado ao meu lado no sofá, com várias caixinhas de filmes no colo, pedindo a minha ajuda para escolhermos qual assistiríamos naquela noite. Aparentemente a testosterona dos garotos ainda estava a mil, pois ele queria que escolhêssemos entre “300” e o “Clube da luta.”
Foi então que eu percebi que o tema da conversa estava mudando novamente. Eles estavam discutindo sobre a regata Thonsom, a regata que levava o nome da empresa do pai de Trevor, o melhor amigo de Henry Nicholls.
- Exatamente quem do colégio estava lá, Michel? – perguntou afoita Hellen.
- Praticamente todos os filhos dos poderosos – disse Michel, visivelmente mais preocupado em beijar Patrícia do que com as fofocas que Hellen tinha tanta curiosidade em saber.
- Não – ela cortou impaciente – não, apenas isso não basta. Eu quero nomes. Os caras do Lions estavam lá?
- Todos.
- Jéssica e as outras metidas?
- Todas também. Completamente nojentas e se sentindo as superiores do mundo.
- Henry Nicholls estava com ela?
Com essa pergunta ela tinha minha total e completa atenção. Meu coração deu saltos dentro de meu peito, e eu esperava que, o fato de eu ter derrubado varias caixinhas de filmes no chão fosse considerado apenas um ato desastrado, não um ataque de pânico ao ouvir o nome de Henry Nicholls.
- Como assim Patrícia? – Michel estava meio impaciente, tentando aproveitar um momento de distração de vovó Jaminie com Danielle.
Já Dann, eu percebi pelo canto dos olhos, estava prestando atenção na conversa, tanto como eu.
- Como assim, oras, assim mesmo Michel, eles estava juntos se agarrando, ela se sentindo a dona do mundo , estas coisas?
Paul que, na maioria das vezes sempre ficava quieto, entrou na conversa fofoqueira de Hellen.
- Eles estavam juntos sim – ele afirmou – mas não vi nada de mais não.
- Oh, como não? - A vozinha de Hellen cada vez mais alta – como, nenhum escândalo?
- Nenhum. Você sabe que o Nicholls é discreto. Quem estava bem alterado era o Trevor e aquele amigo dele, aquele cara que acabou de chegar de Miami... Qual o nome dele?
- Sam – completou Jack meio de mau humor. Percebi que ele não gostava de nenhum assunto que se referia ao Henry.
Eu ao contrario ouvia tudo com muita atenção. E queria perguntar detalhes dele com Jéssica, mas eu não poderia ser tão patética na frente de meus novos amigos.
- Isso mesmo, Sam – Paul afirmou, no maior discurso que eu já havia visto ele fazer naquela longa semana – Aquele cara é enorme. Ele e Trevor estavam com várias garotas. E meio bêbados.
Com isso eles tinham a atenção novamente de Michel.
- Oh cara! Isso é ridículo – ele se lamentava – a uma semana do jogo contra Laguna e estes caras estão curtindo uma bebedeira em vez de treinar? Completamente ridículo. Nós que deveríamos estar no time, hein Jack?
- Nós não somos ninguém importante Mich. O treinador não nos daria nenhuma chance, e você sabe disso.
Eu percebi uma ponta de raiva na voz de Jack?
- Oh cara, sem essa. Você é campeão de luta romana do colégio, claro que se você quisesse um lugar no time eles te dariam.
- Não. Você sabe que com os Lions não funciona assim. Você quer mais um copo de soda Nicolle?
Eu percebi que ele estava frustrado com aquela conversa, era fácil perceber, pois Jack era aquele tipo de cara bem fácil de ler. Eu apenas assenti com a cabeça, enquanto o via sair em direção a cozinha, visivelmente irritado.
Aquele assunto também estava me irritando. Eles estavam discutindo sobre o tal de Sam, um cara moreno e enorme, que havia se mudado de Miami naquele ano, pelo que eu havia escutado pelos corredores do colégio. Corredores estes, aonde sempre estavam circulando alguma fofoca, ou escândalo, bem ao gosto da sociedade dos ricos herdeiros de West Palm.
Eu estava cansada. Cansada e frustrada, pois eu ainda queria saber sobre a metida da Jessica com Henry Nicholls, queria saber se eles estavam se agarrando ali , na frente de todas aquelas pessoas, Jéssica com aquele olhar triunfante e desafiador que ela sempre tinha no rosto, como se realmente ela fosse a princesa a ser homenageada.E depois de nosso encontro pela manhã, doía saber que pouco tempo depois ele estava ali, com aquela metida da namorada dele.
Eu precisava de ar. Oh, eu na realidade precisava dormir. Uma longa noite de sono, daquelas de no mínimo doze horas, sem sonhar com nada, apenas o torpor completo.
Eu sai de fininho, aproveitando que todos estavam discutindo sobre o time de futebol, o jogo de sexta feira que vem e sobre as injustiças do colégio.
Eu fui em direção da varanda da casa de Patrícia, que ficava nos fundos, bem de frente com a piscina e com a enorme variedade de plantas de sua avó.
Fiquei ali por um longo tempo, pensando em todas aquelas pessoas e situações que eu estava vivendo. Naquele mundo diferente do mundo, simples que eu vivia. Não que não houvessem idiotas no meu antigo colégio, claro que eles existiam, mas as suas idiotices não eram contadas ou apaziguadas pela enorme quantia de dinheiro que as contas bancárias de suas famílias tinham.
Eu, por muitas vezes, queria voltar no tempo, para um tempo simples, que eu não pensava em um garoto que parecia impossível para mim. E para um tempo que eu tinha a minha sanidade e todas as minhas noites muito bem dormidas.
Quando eu já estava percebendo o quanto eu estava sendo ridícula, e estava ficando com muita raiva de mim mesma por estar me lamentando tanto, eu senti uma mão forte tocando o meu ombro com delicadeza.
Quando eu virei para traz, Jack estava ali, um copo de soda na mão e um sorriso torto nos lábios
- Assustei você? – ele disse o sorriso enorme iluminando todo o seu rosto
- Não. – eu tentei sorrir de volta, o que não era difícil, pois era bom estar ao lado dele, pelo menos enquanto ele não tentava flertar comigo.
- O que você esta fazendo aqui ? Enjoou da falação toda na sala?
- Não – eu menti – apenas estou um pouco cansada e precisava tomar um pouco de ar.
- Ah – ele disse . Após alguns segundos de silencio, ele continuou, com a voz baixa – Você quer ficar sozinha, ou posso te fazer um pouco de companhia?
Eu ri com o tom sentido da voz dele.
- Hum, eu acho que posso suportar um pouco de companhia – eu disse entre risos.
Ele se aproximou de mim e ficou encostado na mureta da varanda, assim como eu estava. Após alguns segundos de silencio, eu olhei de soslaio para ele, e percebi ainda um pouco de irritação em seu rosto, o que não combinava com ele, sempre tão alegre e gentil.
Eu me aproximei um pouco dele e dei uma leve cotovelada nele, de brincadeira.
- Hey - eu disse – tão irritado? Isso não combina com você.
Ele olhou para mim, um pouco alarmado.
- Oh, me desculpe – ele gaguejou – sinto muito.
- Por que você esta pedindo desculpas? – eu estranhei.
Ele ficou ainda mais constrangido, uma leve cor avermelhada colorindo o rosto dele.
- Porquê você tem razão , eu não gosto de ficar assim. Nunca vale a pena, não é?Ainda mais hoje.
Eu gostava do tom leve que estávamos conversando, então rapidamente mudei de assunto.
- Quer dizer então que você é campeão de luta , huh ? Achava que era apenas para deixar você em forma para os palcos.
Deu certo, ele riu.
- Nah. Eu gosto de esportes. Apenas a minha paixão verdadeira é o teatro. Eu gosto de atuar, eu gosto de poder ser qualquer pessoa quando encarno um personagem. Eu gosto de estar livre de qualquer amarra. Não é isso que você também gosta Nicolle, pois você também fazia teatro em Seattle, não é? Você gosta de ser outra pessoa? Não precisar mostrar quem realmente você é?
Eu nunca havia pensando dessa forma. Eu nunca quis me esconder, eu nunca quis ser outra pessoa. Eu sempre gostei de ser quem eu era e como eu era , e até estes dias atrás, eu sempre me senti forte e decidida, em qualquer situação.
- Eu apenas gosto de todas aquelas histórias Jack. Eu nunca pensei em precisar me esconder...
Ele ficou ali, olhando para mim, ficando cada vez mais perto. Ele abaixou seu rosto para me olhar bem de frente. Foi então que eu percebi que algo estava se passando na cabeça dele.
- Você não precisa – ele disse com a voz rouca – você realmente não precisa se esconder. Você é linda demais para se esconder.
Eu precisava mudar de assunto. Eu não estava gostando aonde aquela situação estava nos levando.Rápido demais, aquilo estava indo rápido demais.
- Por que você estava tão irritado Jack? – eu perguntei tentando ficar alguns centímetros longe dele.
Ele suspirou, mas não se afastou de mim.
- Porquê é injusto Nicolle – ele disse - porque é injusto você ser julgado pelo que você tem, ou por ser filho de alguém poderoso, e não por ser quem você é, não pelo talento que você tem..É por isso que eu luto, por isso que eu quero ser alguém, por isso que eu quero vencer um dia.
Tristeza cruzou os olhos dele e meu coração doeu. Ele parecia tão desamparado que eu levei minha mão em direção ao seu braço e a deixei ali.
O que eu percebi que foi um erro, pois ele novamente ficou ali me olhando, os olhos brilhando intensamente, e ele aproximou novamente o seu rosto do meu.
- Mas as vezes – ele disse com uma voz tão doce que chegou dentro do meu coração – as vezes conhecemos alguém que vale realmente a pena.
Ele levou a mão em direção ao meu rosto e tocou gentilmente a minha bochecha. Seu toque não era elétrico como havia sido o de Henry Nicholls. Mas era quente e suave e eu gostava, apesar de não mandar aquela onda de euforia e energia que eu havia sentido antes.
Foi então, vendo que Jack estava ali, tão gentil e tão próximo a mim, e ao que parecia, que estava a ponto de me beijar, que meu coração doeu. Pois eu percebi que talvez houvesse ficado menos reticente com aquele contato se houvesse sido outra pessoa.
E dos meus encontros anteriores, que se resumiam á minha festa de quinze anos e um Bradley Mirror cheio de espinhas e o baile do primeiro ano que eu havia ido com Dean Jonas, que ficou bêbado e tentou passar a mão em mim, aquela deveria ser a cena mais doce de toda a minha vida. E com um cara que realmente valeria a pena.
Mas eu não queria que Jack me beijasse. Talvez alguma parte de mim queria, pois ele era tão gentil, e fofo e bonito, e eu adorava estar na companhia dele. Mas a minha maior parte estava tão confusa, e aquilo estava indo tão rápido que se eu deixasse ele me beijar, eu provavelmente ficaria mais confusa ainda.
Eu toquei a mão de Jack, que segurava o meu rosto, e a afastei gentilmente.
- Não Jack – eu murmurei – por favor, não.
- Por quê? – ele murmurou seu rosto ainda mais próximo ao meu, tanto que eu podia sentir sua respiração em minha pele.
O que eu iria dizer. Como eu poderia escapar daquela situação sem magoar o seu coração? Como?
Eu dei a primeira desculpa que veio a minha cabeça.
- Porque eu deixei alguém para trás em Seattle, Jack. Eu deixei um namorado para trás.
- Oh – ele disse , se afastando completamente de mim agora. – Oh, me desculpe, eu não sabia. Você não falou sobre um namorado com ninguém.
- É que foi muito rápido Jack, a minha mudança, as coisas que eu tive que me adaptar, e eu nunca fui muitos de falar. Mas eu gosto muito de você Jack, apenas eu não posso, por esse motivo eu não posso.
Ele parecia confuso por um momento. Confuso e constrangido. Mas eu sabia que o que eu havia feito havia sido o melhor. Para nós dois.
Então de repente o sorriso dele voltou, e ele se inclinou tão rápido que eu não tive tempo de me afastar. Ele deu um beijo suave em minha bochecha.
- Eu não me arrependo de ter tentado. Eu gosto de você Nicolle, e aceito ser só seu amigo, se você também quiser. Mas se você quiser algo mais, eu também não vou desistir ok?
- Jack – eu tentei argumentar – Isso não deixa nada estranho entre nós, não é? Eu também gosto de você e quero sim ser sua amiga, mas algo mais...
- Nada estranho - ele cortou – amigos. Mas um cara tem o direito de tentar. Certo?
Então ele riu aquele sorriso gentil que eu estava aprendendo a gostar tanto,
e eu percebi que sempre gostaria dele como amigo. Mas eu não podia incentivar algo mais. Eu precisava colocar minha cabeça no lugar.
- Vamos voltar para dentro – eu sugeri, tentando ser condescendente – senão daqui a pouco todos estarão falando de nós.
Ele riu aquela risada sonora de antes.
- Eles já estão, acredite eles estão. Todos gostamos de uma boa fofoca.
Quando voltamos para a sala, realmente todo estavam nos olhando, com aquele ar suspeito e ansioso, de saber se havia acontecido algo entre nós. Eu tentei ficar meio distante de Jack para não incentivar nenhum comentário. Mas eu o tratava como antes, como um amigo e ele em nenhum momento demonstrou que houvesse ficado chateado com a minha rejeição. Pelo contrario, continuou gentil e doce.
Mais tarde, quando eu estava no carro de Danielle , indo para sua casa, eu percebi que ela me olhava com expectativa. Eu olhei para ela e sorri, pois não estava nem irritada pela velocidade de tartaruga dela. Eu precisava realmente ir um pouco devagar aquela noite.
- Quer conversar? – ela sugeriu, com cautela – você esta muito quieta.
Eu suspirei. Sim, eu queria ao menos um pouco.
- O Jack. Ele tentou me beijar.
- E o que você fez?
- Disse que eu tinha namorado. Em Seattle.
- O que é mentira. – ela afirmou.
Eu assenti.
- Por que você esta pensando em outro garoto. E você não quer falar sobre isso.
Eu assenti novamente. Ela estava certa. Como sempre.
- Você não precisa – ela disse – não precisa conversar sobre isso se não quiser já que temos muita coisa mesmo para falar. Mas Nicolle, sempre de ouvidos ao seu coração. E nunca desista, por achar que o que você quer é tolo.
- E se eu não souber o que eu quero? – eu perguntei.
- Dê ouvidos ao seu coração. Ele é seu maior oráculo.
- Isso é uma lição de bruxaria? – eu perguntei.
- Isso é uma lição de vida, mas eu aprendi isso com uma bruxa. Quer dizer, em um livro, pois eu ainda não havia conhecido outra bruxa de carne e osso, mas já é alguma coisa, não é?
- E o que mais a bruxaria ensina? Como acalmar um coração e uma mente confusa?
- Talvez. Apesar de eu nem ser a pessoa mais normal do mundo, não é? – ela deu um sorrisinho tímido ao falar isso.
Então eu tomei uma decisão. Eu estava tão confusa que eu precisava tentar
encontrar meu ponto de equilíbrio. Eu sempre havia sido uma pessoa agnóstica, alguém que acreditava somente naquilo que estava vendo. Mas eu gostava de conhecimento. Eu sempre gostei do conhecimento e aquilo poderia de alguma forma jogar alguma luz em meus estranhos dias.
- Dann – eu pedi – eu quero aprender um pouco mais sobre bruxaria. Você me ensina? Mas nada que me faça rezar no meio do trânsito pedindo perdão por folhinhas mortas, por favor.
Ela riu, mas não parecia surpresa com o meu pedido.
- Eu posso. Mas antes vamos cuidar de sua insônia. Depois vamos introduzir você no Caminho da Deusa.
Eu sorri. Quem sabe aquela não era a chave para os meus mistérios.
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