segunda-feira, 8 de junho de 2009

Cap. 9 - O amanhecer

Ele caminhou decididamente em minha direção, cada passo calculado, apesar de eu ver que, em seus olhos, ele não parecia tão certo do que estava fazendo.

Talvez fosse a coisa certa a se fazer, já que éramos companheiros de turma, parceiros de trabalho, sei lá, estas coisas. Talvez ele fosse realmente tão educado que não apenas passaria por mim, já que estávamos sozinhos em uma praia àquela hora da manhã.

Talvez ele só tentasse entender quem era a louca garota que via o dia amanhecer – e sozinha – sentada na areia

Eu tentava dar mil explicações enquanto o via caminhando em minha direção, vendo seus lindos olhos azuis me olhando com espanto, o maxilar duro e aquela expressão sombria que eu já havia aprendido a ver em seu rosto.

Ele diminuiu o passo quando estava a poucos metros de mim. Eu ainda pretendia correr, e acho que dei uma tentativa frustrada de me levantar, inconsciente do que estava fazendo, fosse por qualquer motivo oculto que a minha confusa mente tentava me mostrar. Fosse qual fosse o motivo, eu estava ali, ao mesmo tempo curiosa e surpresa por ve-lo ali, na minha frente e ao mesmo tempo assustada justamente por isso.

Ele respirou profundamente e ficou ali me olhando. Eu olhei de volta, tentando mirar apenas em seus olhos, e tentando não ser uma panaca completa ao secar aquele peito maravilhosamente talhado. Não seja ridícula. Tudo bem que o cara é quente, mas qual é?
E
le caminhou os poucos passos que nos separavam e parou bem ali, na minha frente, a roupa de borracha e seu corpo molhados, os cabelos desalinhados, tão lindo que eu quase perdi o resto de dignidade que ainda tinha.
Quase.

- Oi Nicolle – ele me disse a voz rouca e melodiosa.

Por favor, não haja como uma idiota, fale com ele. Mesmo sentindo um arrepio correndo pela minha espinha ao o ouvir dizer o meu nome.

- Oi.

Ele ficou ali, alguns segundos apenas olhando para mim, visivelmente constrangido – ou me achando uma idiota – passando os dedos apressadamente pelos cabelos negros.

- O que você faz aqui, a esta hora ? – ele finalmente disse.

O que eu ia responder? Eu sou uma louca provavelmente a beira de algum surto psicótico?

- Acabei perdendo o sono – eu respondi simplesmente – e esta praia é perto da minha casa. Achei que era uma boa hora para uma caminhada.

-Oh, entendo.

O que ele queria dizer com “Oh, entendo”?

- E você? – eu completei, tentando não deixar o nervosismo transparecer em minha voz – você provavelmente chegou mais cedo ainda do que eu. Também caiu da cama?

- Eu gosto da praia a esta hora da manhã – ele respondeu meio que chutando as palavras – é mais tranqüila, boa hora para surfar.

- O surfista solitário... – eu deixei escapar, quase tendo um troço ao perceber que eu tinha falado as palavras em voz alta.

Ele sorriu ainda completamente parado na minha frente.

- Posso me sentar? – ele perguntou.

- Claro – eu respondi, controlando a minha voz, tentando deixá-la calma, apesar de meu coração bater forte como tambores daquelas tribos africanas que vemos no National Geographic.

Ele colocou a prancha de lado, e lentamente se sentou, a poucos centímetros de mim. Eu podia sentir a sua presença como uma onda magnética, deixando todos os meus sentidos despertos.

Qualquer motivo que havia me trazido àquela praia havia sido esquecido, minha mente ocupada com a forma que eu me sentia em sua presença e as complicações que isso me traria.

O sol ficava cada vez mais alto no céu, aquecendo rapidamente o meu corpo, levando a brisa gelada da manhã embora. Percebi que não estávamos mais completamente sozinhos, um fofo casal de velhinhos andava de mãos dadas pela orla.

Quando eu voltei os olhos para ele, percebi que ele me estudava. Seus olhos sérios e profundos, procurando alguma coisa nos meus.

- Adaptação difícil? – ele finalmente perguntou.

Aquela pergunta me pegou fora de aguarda. Por algum motivo eu senti um súbito desejo de ser sincera.

- Sim – eu respondi, tentando não deixar as preocupações aparecerem em minha resposta – aqui é muito diferente de onde eu vim. Talvez seja difícil para você entender....

Ele ficou ali me olhando muito seriamente, seus olhos daquele azul escuro e profundo.

- Por quê? – ele perguntou.

- Você faz parte desse mundo, Henry, talvez não o enxergue com os mesmos olhos que eu, talvez não veja a inveja e a competição e o mundo de aparências. – então eu me lembrei de nossa ultima conversa e fiquei com medo novamente de sua reação. – Não que eu esteja julgando você, foi apenas um comentário.

- Talvez eu enxergue com os mesmos olhos que você – ele continuou com um suspiro, a voz grave – Talvez eu também lute para não me tornar igual a eles.

Ele não terminou o seu pensamento, eu percebi isso rapidamente, como se ele houvesse soltado apenas um fragmento do que passava em sua mente. Eu rapidamente ardi de curiosidade, pois eu sempre o vi como parte daquele mundo milionário e esnobe.

Mas então, eu percebi que algo estava errado em meu pensamento. Eu disse sempre? Mas se passaram o quê, sete dias desde o primeiro dia que eu o vi?

Parecia uma eternidade sem fim para mim, e não apenas o espaço de uma semana.

Acho que eu devo ter ficado ali, olhando pateticamente para ele , quando ele finalmente quebrou o momento com um sorriso leve , mas lindo.

- O que nos leva de volta a você – ele continuou – e ao que faz sozinha em uma praia parcialmente deserta.

Eu não pude resistir e sorri ao seu comentário. Ou a presença dele, eu não sabia ao certo.

- Não tão deserta – eu apontei para o posto policial e a dois caras vestidos de uniforme, embora o uniforme fosse uma bermuda e uma leve camisa de algodão , mas estamos em uma praia, afinal – Olhe ali, policiais, o casal de velhinhos caminhando e você o surfista...

- Solitário? – ele riu, arqueando uma das sobrancelhas.

Eu fiquei constrangida imediatamente com meu comentário anterior. O sorriso em seus lábios aumentou.

- Eu apenas estava pensando, o que alguém fazia tão cedo ali, perdido contemplando o oceano. Por isso o pensamento do surfista solitário, não é nada demais.

Ele riu um som baixo e abafado e jogou levemente a cabeça para traz, enquanto passava as mãos pelo cabelo. Eu devo ter atropelado as palavras, tentando chutá-las rapidamente pelos meus lábios, como eu sempre faço quando estou nervosa.

E eu estava realmente agitada com a presença dele, com medo de falar algo errado. E ao fato de ele estar com a roupa de borracha abaixada até a cintura, mostrando aquele corpo musculoso, quente e com um leve bronzeado, natural não como o do resto dos moradores de West Palm que sempre pareciam saindo de uma torradeira elétrica. Olhe apenas nos olhos Nicolle, por favor, que ele não me pegue secando aquele peito nu, por favor.

Após algum tempo olhando para o céu, ele voltou os olhos para mim, me olhando tão intensamente que eu senti um frio na boca do estômago, como se aquele olhar tivesse o poder de entrar dentro de minha alma.

- Eu gosto da solidão – ele finalmente disse – eu gosto do mar e de imaginar lugares que eu poderia ir, caminhos que eu poderia trilhar. Eu gosto do silêncio do mar áquela hora.

Eu passei as mãos pela areia, sentindo sua macies e calor, enquanto eu pensava nas palavras dele. Seria ele solitário? Será que tudo que eu pensava sobre ele estava errado?

Foi então que ele tocou o meu braço, fazendo eu rapidamente olhar para ele. Novamente aquele toque, quente e elétrico, que fez meu corpo ter uma reação estranha, como eu houvesse colocado meu dedo em um interruptor. Eu me assustei ao seu toque e a reação do meu corpo e rapidamente olhei para a sua mão. Percebi que ele também ficou constrangido, pois retirou a mão rapidamente.

- Desculpe – ele murmurou.

Meu coração voltou a bater mais forte, e eu percebi que toda a angustia e solidão que eu sentia momentos antes haviam sido esquecidos.

- Foi para pensar – eu disse rapidamente, inconsciente de minhas palavras – eu vim para a praia, pois precisava pensar. E o primeiro lugar que veio a minha mente foi aqui, pois eu sabia que era um lugar tranqüilo e talvez o mar trouxesse as respostas que eu preciso.

Percebi que algo em minha revelação o deixou inquieto repentinamente.

Ele se levantou de um salto e ficou me encarando.

- Você quer caminhar um pouco? – ele perguntou.

- Eu não posso ficar muito – eu respondi – logo preciso voltar para casa.

- Apenas um pouco. - ele pediu – esta começando um lindo dia.

Ele estendeu a mão para me ajudar a me levantar. Eu ainda fiquei alguns segundos tentando me decidir se deveria ou não seguir o que ele pedia. Mas algo em seus olhos me fez segurar em sua mão, macia e quente. Percebi que ele tinha alguns calos, e eu imaginei que deveria ser pelos exercícios, pois até aonde eu sabia ele era um completo atleta. O seu toque me fez ficar agitada novamente, sua mão era grande, dedos longos e bonitos. E assim que eu estava de pé rapidamente a soltei.

- Como você descobriu esta praia? – ele perguntou.

- Guia turístico – eu respondi – apesar de não ter gostado nem um pouco de ter que mudar para cá foi a minha primeira providencia. Reconhecimento de área.

Ele sorriu para mim.

- Sempre tão prática?

- Sempre que eu posso – eu dei de ombros.

Caminhamos pela praia por algum tempo, eu tentando ignorar a água do mar que batia em nossos pés – e no meu caso em meus tênis que ficariam arrasados após esse passeio – o silencio constrangedor dando lugar a uma sensação de paz e tranqüilidade que eu não sabia se já havia sentido alguma vez em minha vida. Ele sempre me apontava alguma estrela do mar que era trazida pelas ondas ou alguma concha de forma diferente.

- Por que você e sua família se mudaram para cá? – finalmente ele perguntou.

- Meu pai teve uma boa proposta de emprego. Então todos nos mudamos.

- O que ele faz?

- É contador. Especialista em finanças e mercados e apesar de estarmos em DC foi aqui, na Florida que ele encontrou seu lugar.

- Finanças? – ele novamente arqueou a sobrancelha – Aonde ele trabalha?

Será que estávamos entrando na comum conversa de quem você é filho aqui? Ele sabia que eu não era ninguém, não precisava deste tipo e conversa. Eu fiquei um pouco decepcionada com a pergunta.

- Trench & Huggens – respondi a contragosto – parece que eles são grandes.

- Grandes não, os melhores. Seu pai deve ser realmente bom.

Um cara de dezessete, dezoito anos conhecendo um escritório de finanças?

- Você os conhece?

- Sim – ele deu de ombros – meu pai é cliente deles. Mas então ele deve ter pouco tempo para vocês, afinal é uma profissão bem intensa?

- Não, agora que ele esta aqui, ele tem mais tempo para a gente. Era ruim em Seattle, neste aspecto estou bem feliz com a mudança.

- Como assim? – ele parecia intrigado com algo que eu não entendia.

- Simples. Quando estávamos em Seattle ele trabalhava em um escritório pequeno, então sempre tinha que estar fazendo trabalhos em casa, ficar mais horas no escritório, tudo para ganhar mais. Agora ele tem mais tempo para nós, é muito melhor. Minha mãe esta feliz.

Vi que algo deixou seu olhar mais sombrio. Diminui o passo tentando ver em seus olhos o que era esta mudança

- Você tem irmãos Nicolle? – ele finalmente perguntou as sombras em seus olhos ainda não haviam desaparecido.

- Não. Somos uma família pequena. E você?

- Dois. Gêmeos. Joshua e Nathan.

- Nossa, gêmeos! Quantos anos eles tem?

- Dez.

Fiquei surpresa, pois ao falar dos irmãos percebi um leve brilho orgulhoso em seus olhos. Eu nunca havia visto isso em nenhum dos meus amigos, ainda mais se tratando de irmãos menores. Irmãos mais novos sempre eram uma fonte interminável de dores de cabeça. Pelo menos era isso que eu ouvia.

- Nossa. Eles devem deixar sua família louca – eu afirmei.

Ele riu aquela sombra em seus olhos dando lugar a um brilho que iluminava todo o seu rosto.

- Você nem imagina. Mas eles são muito inteligentes, cada um a seu modo. Eu estou ensinando Josh a surfar, então varias vezes eu o trago aqui. Ele é bom. Nathan faz o tipo intelectual precoce, então não consigo arrancá-lo muito de casa.

Eu estava começando a ficar preocupada com meu bom senso e aos sentimentos que despertavam dentro de mim na presença dele. Curiosidade, surpresa, e até um pouco de admiração. Ele era muito diferente do que eu supunha. Ali, longe de todos como estávamos, ele não lembrava o cara mandão e sombrio que eu estava acostumada nos últimos dias.

Foi então que eu estaquei no ato, olhando apressadamente para o céu, e olhando ao meu redor, para a praia que começava a se encher de vida e agitação.

- Eu tenho que ir – eu disse apressadamente.

- Tem certeza? – ele perguntou, muito serio novamente.

- Sim, eu tenho um monte de coisas para fazer. Eu te vejo segunda, na escola.

Eu já havia dado as costas para ele, quando eu ouvi a sua voz aparentemente ao meu lado.

- Eu lhe acompanho até o seu carro

Eu apenas assenti com a cabeça, tentando não sair correndo, tropeçando uma ou duas vezes sob meus pés, com certeza fazendo o papel de idiota.

Chegamos ao meu carro. Eu me virei em sua direção, para me despedir novamente. Foi então que nossos olhos se encontraram. Eu não conseguia fugir da força daquele olhar. Os segundos se passaram e ficamos ali, apenas nos olhando. Ele deu um passo em minha direção. Meu coração voltou a bater novamente naquele ritmo absurdo e descompassado. O que quer que estivesse acontecendo ali, não poderia ser bom. Eu forcei minha mente a se lembrar de Jéssica e dos amigos riquinhos e mimados dele, todos tão poderosos e tão reis do mundo. Qual seria o meu papel naquela história?

Eu não queria saber. Eu não pagaria para ver o final daquela cena.

Eu disse um tchau apressado e rapidamente entrei em meu carro.

- Espere – ele disse, inclinando-se levemente em direção a minha janela – eu tenho algo para você.

Eu o vi correndo para a esquerda, a prancha aparentemente esquecida ao lado do meu carro. Foi então que eu vi aquele carro branco, enorme, parado do outro lado da rua, não muito distante do meu. Como eu não o havia visto estacionado ali?

Em alguns segundos ele estava de volta, carregando algo pequeno em suas mãos. Foi então que eu percebi que era um livro. A capa antiga, de uma cor parda, com letras douradas, muito bonito.

Ele me entregou o livro. Era um exemplar de Adeus ás armas, o livro que teríamos que ler para a aula da Sra. Charlotte.

- O que é isso? – eu perguntei debilmente.

Ele se inclinou um pouco mais em direção a janela, seu rosto a poucos centímetros do meu.

- Uma antiga edição do livro do Hemingway, datada do começo da década de cinqüenta. Muito melhor do que a de hoje em dia. Eu há tenho há algum tempo, acho que vai ser boa para o nosso trabalho, já que você não o conhece.

Eu acariciei o couro macio do livro, muito bem conservado, apesar de ver que as paginas já haviam sido muito lidas. Era uma edição muito antiga, eu não poderia ficar com aquilo. E por que motivo ele estava dando isso para mim? Eu estendi a minha mão em sua direção, tentando lhe devolver o livro.

E tentando não pensar o quanto o rosto dele estava próximo ao meu.

- Eu não posso aceitar. É seu e muito antigo. Desculpe-me.

Ele se afastou alguns centímetros de mim.

-E um empréstimo então. Considere assim. Nos vemos depois, Nicolle.

Então ele virou de costas, pegou sua prancha esquecida do chão e se afastou de mim. Não olhou nem uma vez para traz. Entrou e deu a partida em seu carro, em poucos segundos sumindo da minha vista.

Sem reação, atordoada com o nosso encontro e com o inesperado presente – ou empréstimo – que eu tinha em minhas mãos, decidi que era hora de voltar para casa. Minha mente entorpecida, mas inesperadamente calma.

Todos os problemas que eu havia tido pela manhã esquecidos.

Encontrei meu pai sentado na porta de nossa casa, seu notebook no colo, com uma enorme xícara de café ao seu lado. Apesar e algumas rugas de preocupação vincando a sua testa, vi que ele estava relaxado, como eu não o via há anos. Ele digitava furiosamente, o olhar perdido em alguma coisa.

Rapidamente eu percebi que ele estava envolvido em seu projeto secreto, o seu livro. Um contador que gostava de histórias medievais. Este era meu pai.

Segurei fortemente o livro em minhas mãos e corri em sua direção. Com o espírito um pouco mais leve, era hora de amenizar de vez toda angustia que eu tinha feito meus pais sentirem nos últimos dias.

Sentei ao seu lado, e dei um rápido beijo em sua bochecha. Ele sorriu, um sorriso torto e protetor que eu amava.

- Tinham pulgas em sua cama? – ele perguntou – O que você fazia fora de casa tão cedo assim?

Eu dei de ombros.

- Fui correr um pouco na praia. Não estamos na Florida, aonde são todos bonitos, e bronzeados? Preciso me adaptar.

- Não caio nessa, mocinha. – e ele olhou em minha mão e me olhou significativamente – E o que é isso?

- Ah, isso. Um livro para a escola. Nada de mais.

- Você não esta escondendo nada de mim, não é?

Eu via a preocupação e carinho em seus olhos. Eu era grata pelos meus pais, e percebi que deveria ser melhor de agora em diante. Estávamos em uma nova vida, e eu deveria fazer parte dela.

- O que eu esconderia de você pai? - eu disse, sorrindo para ele.

- Você parece animada – ele observou aquele olhar interrogador nunca saindo de seu rosto.

- A Flórida não é tão ruim – eu dei de ombros novamente, não acreditando que aquelas palavras estavam saindo de minhas boca – Fiz novos amigos.

Ele bagunçou meu cabelo, visivelmente aliviado.

- Fico feliz que esteja começando a se adaptar. Era só uma questão de tempo, eu avisei a sua mãe. Agora entre, sua mãe fez panquecas.

Eu o beijei novamente no rosto e corri porta dentro para casa. Minha mãe era uma cozinheira imprevisível, mas uma coisa que ela sabia fazer como ninguém eram as suas panquecas.

Comi rapidamente e subi para meu quarto com a desculpa que tinha coisas a arrumar. E eu tinha realmente. Arrumei minhas roupas e livros espalhados, meus sapatos esquecidos em pilhas pelos cantos. Percebi que eu havia tido uma semana completamente maluca e meu quarto espelhava meu estado de espírito. Liguei o som alto, e deixei a música embalar minha mente e meus pensamentos, tentando não pensar no encontro com Henry naquela manhã e meus pesadelos esquecidos.

Respondi alguns e-mails de meus amigos de Seattle, inclusive um de Becca, perguntando sobre os alunos gatos de meu novo colégio. Não entrei muito em detalhes, apenas garanti a ela que estava morrendo de saudades. O que era realmente verdade, eu tinha saudades de minha vida simples, sem confusões, de meus antigos amigos. Mas eu sabia que era hora de deixar minha antiga vida para traz e começar uma nova. Eu sabia que precisava crescer, mesmo sendo tão difícil.

No fundo eu sabia que havia algo grande vindo em minha direção. Essa sensação de não saber o que me esperava na próxima esquina que eu cruzasse que me deixava apavorada. Eu gostava das coisas bem simples, bem planejadas e traçadas. Eu não era a melhor pessoa do mundo para ganhar uma surpresa. Não importando como ela fosse.

Mas quando a porta da angustia estava começando novamente a se abrir, meu celular, meu sempre esquecido celular, vibrou, do outro lado do meu quarto.

Corri para pega-lo, e não fiquei surpresa ao ver que era uma mensagem de Dann.

“Chego na sua casa ás 3. Fiz varias descobertas mundo dos sonhos. Dann”

Com essa eu tive que sorrir. Dann estava sendo uma boa amiga. Uma ótima amiga para dizer a verdade. E eu sabia que estava começando a confiar totalmente nela, mesmo com todas aquelas esquisitices. Ela parecia pequena e frágil perante o mundo, mas me parecia uma pessoa forte, tão forte. Força que eu sempre tive e apesar de estar confusa e perdida, eu teria novamente.

As três horas pontualmente ela chegou. Dirigia – claro – o carro elétrico da sua mãe. Não era de se espantar que a garota natureza não poluísse o mundo.

Logo que eu abri a porta, vi que ela estava preparada. Trazia vários livros em suas mãos e uma mochila enorme em suas costas. Vestia uma túnica hippie de algodão e jeans, os cabelos bagunçados caindo em cachos pelos ombros. Ao me ver ela arregalou os olhos.

- Uau – ela disse.

Eu fiz uma varrição rápida em mim mesma, para ver se tinha colocado alguma peça roxa com vermelha, ou usado dois sapatos diferentes ou algo do tipo. Ou se simplesmente estava sem meus jeans, andando por aí apenas e calcinha. Pois o olhar dela foi justamente do tipo “Uau, olha o que ela fez agora!”.

- O que foi? – eu perguntei alarmada.

- Ela entrou pela porta da minha casa e novamente ficou ali apenas me olhando. Depois de algum tempo ela riu, e me puxou pelo braço, murmurando baixinho apenas para eu ouvir.

- Finalmente um pouco de luz em você Nicolle. Não sei ainda o que você fez, mas esta brilhando, uma luz ainda pálida, mas você esta brilhando, como que iluminada pelo sol.

Agora eu sabia que ela era louca, realmente louca.

- O quê? – eu perguntei com a voz esganiçada, histérica.

Ela deu de ombros.

- Você sempre esta encoberta por uma sombra. Hoje você esta brilhando. Posso saber o que aconteceu? Conseguiu dormir?

- Menos de três horas – eu suspirei – agora me fale o que é essa história de luz e sol...

- Depois – ela cortou - ali estão os seus pais.

Não preciso dizer que meus pais adoraram Dann, ainda mais que ela se comportou perfeitamente normal, sem nenhum discurso de luz do sol, ou ervas, ou nada do tipo. Apenas uma adolescente gentil e educada.

Meu pai ficou naturalmente encantado ao descobrir que Dann adorava antigas lendas medievais. Ficaram conversando por muito tempo sobre o Graal e muitas outras coisas que eu procurei limpar da minha mente. Eu tinha muitas coisas que queria perguntar a ela.

Mais de uma hora depois, consegui arrastá-la para meu quarto, com a desculpa que íamos fazer um trabalho para a escola.

Assim que subimos e ela entrou em meu quarto e eu estava preparada para um interrogatório ímpar, vi que ela começou a tirar um monte de coisas daquela sua mochila enorme.

Primeiro foi uma pequena vassoura, ou pelo menos parecia com uma – um galho de madeira e alguns galhinhos de ervas secas enrolados por um laço de palha. Ela pegou aquela coisa e começou a varrer o meu quarto, cantando uma cantiga estranha, que com certeza não era inglês.

- O que você esta fazendo Dann?

- Primeiro limpando o astral do seu quarto.

- O que? – eu gritei. Meu quarto estava perfeitamente limpo.

Ela ficou ali, literalmente alheia a minha presença, passando aquela pequena vassoura pelo chão, em cima da cama, por cima dos móveis. Depois ela pegou algumas varetinhas de incenso e começou a acender pelo meu quarto. Eu não fazia a menor idéia do que ela estava fazendo, mas o cheiro suave do incenso começou a espalhar pelo meu quarto, tranqüilizando os meus sentidos. Eu li o nome sândalo na caixinha.

Ela então pegou um vidrinho com água e começou a borrifar ao nosso redor. Apesar de não fazer a mínima idéia de todas as coisas que ela estava fazendo, eu estava sentindo uma estranha sensação de paz. Vi quando ela acendeu uma pequena vela branca em cima da minha cômoda e fiquei admirando a luz da vela dançando lentamente, em aspirais para o alto, como se quisessem alcançar o céu.

Eu tinha varias perguntas que queria fazer a ela, como o encontro com as bruxas no dia anterior e sobre a pesquisa que ela me disse que tinha feito. Mas a minha mente vagava para apenas um lugar. O encontro com Henry Nicolls pela manhã. Eu queria perguntar tantas coisas para ela, sobre quem era ele, queria mostrar o livro que ele havia me dado – ou emprestado – queria perguntar se ela sabia o que isso significava. Mas se eu dissesse alguma coisa, eu estaria confessando a mim mesma coisas que eu não sabia o que significavam. E eu não estava pronta para isso. Então fiquei ali, parada contemplando aquela chama azul e laranja da vela, dançando e dançando.

Uma mão em meu ombro chamou a minha atenção. Dann estava parada ali, os olhos fixos em mim.

- Hey – ela disse suavemente – você quer falar comigo não quer?

Eu continuei olhando para ela sem dizer nada.

- Sim, eu sei que você esta cheia de perguntas e coisas que você esta pensando se pode compartilhar comigo, mas não se preocupe, tudo a seu tempo. Você terá o seu próprio tempo.

A garotinha havia dado lugar a mulher sábia novamente. Como sempre ela fazia.

E eu queria falar e falar e falar. Eu precisava contar os meus medos, e anseios, todos os sonhos loucos e sem sentido da ultima semana. Mas eu continuei muda.

Quando um barulho finalmente me fez despertar do meu transe. Quando dei por mim Dann estava correndo para atender o seu celular que tocava incessantemente, perdido em sua bolsa.

Ela atendeu com uma risadinha.

- Oi Jack – ela piscou para mim – Sim, esta tudo bem... ok , a que horas? – ela fez uma longa pausa - ... não, eu estou com ela, não precisa se preocupar. Eu a levarei. – mais uma pausa – Nos vemos daqui a pouco.

- O que foi Dann? – eu perguntei.

- Era o Jack. Eles farão uma festa da pizza Na casa da Patrícia e estavam nos convidando – ela fez uma ênfase engraçada quando disse nos convidando.

Então ela se levantou e começou a arrumar as suas coisas. Então de repente ela virou para mim.

- Você pode dormir fora de casa esta noite ? Você pode dormir na minha casa?

A pergunta me pegou de surpresa. Novamente.

- Por quê? – eu perguntei.

- Por que temos muito o que conversar,minha amiga. E isso eu não precisaria ser uma bruxa para descobrir.

Ela tinha razão. Eu precisava conversar. Eu precisava confiar um pouco mais nas pessoas.

E por qual motivo em não confiaria em Danielle ?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Playlist "As filhas do vento"


Get a playlist! Standalone player Get Ringtones