terça-feira, 8 de setembro de 2009

Olá amigos


Cap. 15 postado. "Pedido de ajuda."

Agora sem gripe e sem vírus , hehe

Obrigada por todas as mensagens de apoio, vcs são incríveis. Agora é a hora de retomar a vida e ter um ataque ao ver a mesa no trabalho de papel até o teto, hehe

Bjus Bjus e Bjus

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cap. 15 - Pedido de ajuda

Eu não prestei muito atenção ao caminho que estávamos fazendo.

Meu coração dolorido e minha mente confusa não me davam espaço para qualquer tipo de observação.

Apenas o cheiro da chuva, ao longe, muito ao longe queimava o meu nariz. Eu não sabia explicar como isso acontecia, e muito menos o porquê, mas era parte das coisas estranhas de minha vida que eu mantinha para mim mesma.

Eu conseguia sentir o cheiro da chuva. Não do jeito normal, o cheiro úmido que antecede uma tempestade. Eu conseguia sentir cheiro de chuva muito, mas muito antes que ela realmente acontecesse. Dias talvez.

Eu nunca havia contado sobre isso com ninguém. Eu só era uma garota querendo encontrar o meu lugar no mundo, e não alguém disposto a ser a esquisita.

Entenda, eu não queria ser igual a ninguém, e eu normalmente odiava as pessoas que se ajustavam como carneiros em um campo, iguais e fazendo sempre as mesmas coisas, usando exatamente as mesmas roupas e os mesmos comportamentos. Como as bronzeadas do colégio. E eu as odiava.

Mas eu também não queria ser apontada na rua. Conflitante, eu sei, mas assim era a minha vida.

Eu só percebi onde estávamos quando eu ouvi o barulho das ondas batendo nas pedras.

O cheiro do mar dominou todo o espaço do carro. Eu levantei os meus olhos e vi que estávamos em uma praia, a praia que ficava a poucos minutos da minha casa, a mesma que eu havia encontrado Henry Nichols dois dias antes.

Para falar a verdade pareciam duas vidas antes. O tempo estava pregando peças com a minha já conturbada cabeça.

Eu olhei para Danielle, tentando entender porque ela tinha parado ali.

– Eu sabia que você não queria ir para casa, e muito menos ir a um lugar público demais – ela se apressou em dizer, entendendo a duvida em meus olhos – Foi o primeiro lugar que eu pensei em parar, esperar você se recompor um pouco... Você esta horrível Nicolle.

Eu procurei um espelho na minha bolsa, e quando olhei para minha imagem refletida, eu quase tive um ataque. Eu realmente estava horrível, cabelos absurdamente bagunçados, olhos vermelhos e inchados e lagrimas escorrendo pelo meu rosto. E eu estava bem pálida. Não que eu fosse uma modelo super bronzeada, mas eu tinha ao menos uma cor bem saudável. Mas a garota que me olhava de volta ao espelho não parecia nada saudável. Ela parecia uma maluca, para dizer a verdade...

Foi então que eu comecei a ficar realmente com raiva. Patética, eu estava sendo patética. Eu revirei a minha mochila, procurando ao menos um pacotinho de lenços de papel para eu limpar o meu rosto e ter de volta o mínimo de dignidade.

Nada de lencinhos de papel.

Procurei no console do meu carro. Folhetos, maquiagem, um pacote de bolachas, o kit de jardinagem de minha mãe, spray de pimenta... Kit de jardinagem e spray de pimenta ?Eu poderia me defender de um bandido com uma espátula de cavoucar terra e um spray de pimenta, mas não tinha a porcaria de um lencinho de papel.

Droga!

Eu comecei a descontar a minha frustração em meu carro, batendo a porta do console com violência, quando Danielle me estendeu um pequeno pacotinho. Lenços de papel, daqueles umedecidos, para bebês – ótimos para limpar maquiagem.

Eu os abri com avidez, buscando sei lá quantos de uma vez, para tentar concertar o estrago em meu rosto. Passei meus dedos trêmulos pelos meus cabelos, tentando ficar um pouco mais apresentável. Mas eu ainda me sentia péssima.

Danielle continuava pacientemente me olhando.

- Obrigada – eu murmurei, entregando o pacote de lenços para ela – eu precisava realmente sair de lá.

- O que aconteceu?

- Nada.

- Nicolle... Eu sou sua amiga, você pode confiar em mim. O que esta acontecendo? – ela estendeu a sua mão e segurou meu braço delicadamente – Eu não estou dizendo somente hoje, mas toda a semana. Eu vejo que você esta com problemas, não me diga que não esta. Eu sei que esta.

Ela firmou a ultima frase com tanta certeza que eu congelei em meu assento.

- Como você sabe? – eu perguntei, tentando encontrar algo em seu rosto sério.

Ela deu um longo suspiro.

- Se eu te contar uma coisa sobre mim, você jura que não vai me achar mais esquisita do que já acha?

- Eu não acho você esquisita...

O olhar dela não deixou que eu terminasse a frase. Claro que ela sabia que eu a achava um exótica – no mínimo – mesmo ela sendo uma ótima amiga. Eu respirei profundamente, empurrando as ultimas lagrimas não derramadas para dentro de mim novamente, aspirando o cheiro da maresia, acalmando meus músculos tensos e cansados.

- Você vai achar que eu sou maluca Dann.

Ela deu de ombros.

- E eu Nicolle? Eu sou a sacerdotisa de Avalon devoradora de almas. A linda boneca alienígena. Ou simplesmente pedófila agora. Eu sei o que é se sentir diferente e maluca. Você confia em mim?

- Ok. Eu prometo.

- E você promete confiar em mim?

“Sempre confie em seu coração”
uma voz melódica disse baixinho em minha mente.

- Prometo.

- Ok – ela começou olhando firmemente em meus olhos – eu consigo ver coisas. Não exatamente coisas, mas eu sei quando alguém esta mentindo, eu sei quando alguém esta passando por problemas... é mais forte que um pressentimento, é uma certeza. Às vezes eu vejo, eu realmente vejo coisas, quer dizer, principalmente eu vejo os sentimentos. Não são sonhos, são Visões, você entende?

- Não. – e eu realmente não entendia.

- Visões não nítidas. Ainda é muito confuso, mas esta melhorando... é difícil explicar. Por exemplo, hoje depois da confusão no refeitório, eu sabia que ainda não tinha terminado. Eu sabia que você ainda iria se meter em mais confusões no dia de hoje.

- Você... sabia?

- Eu tentei te impedir, eu tentei segurar você no meio da multidão. Mas você não me ouvia... e eu ainda não consigo controlar o que eu vejo, eu nunca sei realmente o que é . Eu vejo a situação, mas nunca como acontece, entendeu? É tudo muito confuso e na maioria das vezes frustrante. Muito frustrante.

Eu olhei para longe dos olhos sérios de Danielle. As suas palavras não faziam o menor sentido para mim. Uma cigana de circo poderia me dizer as mesmas coisas.

Eu precisava de um minuto. Eu olhei ao meu redor.

Hoje a praia estava diferente de sábado pela manhã. Muita vida pulsava ao nosso redor, crianças brincando, fluxo de carros na rodovia. Um dia normal. Era difícil conciliar coisas normais com o que Danielle me dizia. E, além disso, essa história de bruxas e o sobrenatural, não eram fáceis de assimilar para mim, muito fora da realidade.

Mas o que havia de real na minha conturbada vida?

- Eu posso tentar ajudar você – ela disse com firmeza na voz – Se você me disser no que esta metida, o que esta deixando a sua aura confusa, eu posso fazer alguma coisa... Mas eu preciso que você confie em mim. Eu quero ajudar, mas eu preciso que você me dê algum espaço Nicolle.

“Aceite a ajuda que lhe é oferecida. Você não esta sozinha.”


Eu resolvi ouvir a voz que sussurrava em minha mente. O que eu tinha a perder?

E eu confiava em Danielle. Acreditando ou não no que ela me dizia, ela esteve comigo nos momentos que eu precisei. Ela parecia distante a maioria das vezes, mas ela era presente.

Cigana ruim ou não...

Era hora de eu confiar em alguém.

Em um jorro de palavras que eu desconhecia, eu comecei a falar. Dos meus sonhos e pesadelos, das perseguições, do estranho homem loiro que tinha me apavorado, das agressões sofridas em algum porão... Todos aqueles sonhos angustiantes que eram tão reais que na maioria das vezes eu sentia fisicamente o que estava acontecendo comigo naquele mundo que eu sabia que não era real.

Eu contei sobre os insistentes sonhos com as jovens na fogueira, a angustia e o sofrimento que elas sentiam e que eu compartilhava pelos seus olhos.

Eu mantive para mim o sonho que eu tive no dia que encontrei com Henry na praia, pois de alguma forma aquilo parecia pessoal demais, todos aqueles sentimentos que eu tinha certeza que não eram meus, e eu deveria mante-los guardados dentro de mim.

Mas tirando esta revelação, eu não escondi nada dela. Ela se manteve quieta, por todo o tempo, ouvindo tudo o que eu tinha a dizer, seu rosto limpo e claro, e eu podia sentir confiança e amizade nos enormes olhos castanhos de minha amiga.

Apenas quando eu contei sobre o ultimo sonho na casa dela, com a linda mulher e o campo de lavandas, sua pele ficou repentinamente pálida. Vi seus lábios abertos em um pequeno o, e quando eu mencionei que a mulher me chamou de uma filha dos ventos, seja lá o que isso significava, ela arfou. Levou as mãos ao peito e respirou pesadamente.

- E é isso Dann – eu finalmente disse, decidida a não lhe esconder nada – desde que eu me mudei para cá , as coisas pioraram e eu perdi completamente o fio da minha vida. Eu acho que estou louca. É a única explicação que eu tenho.

E ela começou a rir. Histericamente eu diria, e murmurava algumas palavras em tom de prece.

Ok. Tinha sido demais. Danielle tinha finalmente ultrapassado a linha de exótica para louca. Ponto para mim.

- Dann – eu ousei, segurando a sua mão gelada entre as minhas – Dann, você esta bem?

- Eu sabia. Eu sempre soube. Obrigada Deusa, eu nunca duvidei.

Realmente louca.

- Dann, você precisa de alguma coisa?

Mais rápido do que eu imaginava, ela saiu daquele transe e me abraçou. Ela ria e chorava ao mesmo tempo, e eu queria saber onde estava o pacotinho dos lenços de papel.

Subitamente ela me soltou e olhou dentro dos meus olhos.

- Eu espero por isso há muito tempo Nicolle. Por tempo demais. Você é uma de nós!


Uma de nós? Eu já via minha mãe chorando ao me acompanhar a ala psiquiátrica...

- Dann, não entendo o que você quer dizer.

- Você é uma bruxa. Todos estes sonhos e sentimentos são típicos de um Chamado.

- Chamado?

- É quando a Deusa chama por suas filhas e filhos e eles sentem a percepção do mundo e os seus dons... Todos têm os dons da Deusa dentro de si, mas apenas alguns conseguem vê-los, apenas poucos conseguem tirar o Véu de seus olhos e olhar a realidade. Como eu, você é uma bruxa. Eu sempre soube que eu conheceria outras, e quando eu vi você eu tive a certeza... Mesmo você estando distante e reticente. É típico, a sua mente ainda não reconhece a realidade, mas o seu coração, a sua alma , estes sim, dizem a você quem é . Uma bruxa. Abençoada seja, minha irmã.

É. Aquilo estava passando dos limites já. Até para Danielle.

Mesmo assim, apesar de toda a insanidade de suas palavras, no fundo as suas palavras eram reconfortantes... Algo se aquecia dentro de mim. Eu não deveria fazer parte da mística imaginação de Danielle, mas sim, eu me sentia feliz de alguma forma.

E exausta.

- Dann, eu não acho que seja isso... – minha parte racional tentava argumentar.

- Sim, é. Este sonho com o campo de lavandas, você viu a face Donzela da Deusa, sua face jovem e brilhante, e ela te chamava. O campo de lavandas é a purificação e o elo com o místico. E a parte da filha do vento...

Cheguei aonde eu queria. Um arrepio percorreu minha espinha.

- São antigas sacerdotisas. Não se sabe muito sobre elas, mas em suas histórias sempre esta ligada com o povo celta e seus sacerdotes, os druidas. Já li alguma coisa sobre a ligação com as antigas Sacerdotisas de Avalon. Um clã muito antigo de bruxas e bruxos, e as historias contam que eles tinham poderes inimagináveis, como cura de doenças e a manipulação dos elementos. Como controlar tempestades, estas coisas.

- Como você sabe tudo isso?

- Eu pesquiso sobre o povo dos ventos desde meus quinze anos, quando eu comecei a ouvir meu Chamado. Não tem muitas informações sobre eles, e até aonde eu sei, suas ultimas Prometidas foram queimadas na idade média. As Prometidas eram as Grãs Sacerdotisas do clã, e elas podiam manipular os elementos. Tinham uma alta posição junto ao povo, mas de alguma forma, as últimas foram traídas e acabaram mortas na fogueira.

Meu estômago revirou ao lembrar o sonho com as jovens garotas, o fogo rodeando os seus corpos, os olhos suplicantes. Eu tremi com a história de Dann e a implícita relação com o que eu sonhava há tantas noites.

- Não é uma história que a maioria das pessoas conheça – Danielle continuou sua voz tremendo de excitação – Então deve significar alguma coisa a Deusa revelar a você em sonho isso.

Minha mente girava e girava de tanta informação a assimilar. Eu achava tudo uma grande loucura, a maior insanidade que qualquer pessoa já teria me dito, mas mesmo assim, em algum lugar no fundo da minha mente não parecia errado.

- Ok Dann. Excesso de informação, você esta me perdendo... Eu conhecer lendas de antigas bruxas queimadas na fogueira não vai me ajudar em nada.

Ela me olhou incrédula.

- Nicolle, você não percebe como tudo isso casa perfeitamente? Como todas as informações e símbolos, como eles querem dizer alguma coisa?

- Eu percebo que na realidade eu estou a um passo da internação psiquiátrica – eu gracejei, forçando meu nervosismo para dentro de mim – Dann, é muito difícil eu acreditar nestas coisas... É muito para mim, você entende? Vamos com calma, por favor.

Ela parecia desapontada, mas o intenso brilho não saia dos seus olhos. Ela parecia uma garotinha em uma manhã de Natal. Ela ficou pensativa por um longo minuto.

- Vamos ás questões praticas então – ela disse de repente, me deixando sobressaltada.

- Questões práticas?

- Sim. A insônia continua? E os sonhos estão te enlouquecendo?

Eu acenei positivamente.

- Eu tenho uma idéia. Você ainda tem o cartão que a garota do shopping, Aideen deu para você?

Imediatamente me lembrei das jovens bruxas que encontramos. De alguma forma tudo voltava ás conversas místicas de Danielle.

Mas, por que não?

Eu tinha guardado na minha carteira aquele cartão desde então. Nem precisei procurar muito, milagrosamente eu havia guardado em um pequeno bolso lateral, fácil de encontrar

Eu peguei o pequeno cartão, branco e elegante e olhei as palavras.

Andrew Cotter, psiquiatra.

Aideen, a ruiva de cabelos gloriosos havia garantido que ele era especialista em distúrbios de sono. Era exatamente o que eu precisava.

- Vou ligar para ele. – eu disse com alguma resolução naquela fatídica manhã e Danielle já me entregou o seu celular.

Claro que eu estava apavorada, ainda mais que eu sabia que psiquiatras eram caros, mas naquele exato momento, não custava uma tentativa.

Eu disquei os números com o coração aos saltos. A ligação foi atendida já no segundo toque.

- Alô – uma voz delicada e educada disse do outro lado da linha. Eu tinha certeza que era Aideen.

- Alô, é o número do Sr. Cotter?

- Sim, é a sobrinha dele falando. –era Aideen. Fiquei feliz que foi ela que atendeu, e não a outra garota que não tinha uma cara de muitos amigos.

- Aideen, meu nome é Nicolle Crystal – eu tentei falar devagar, não olhando para Danielle que quase pulava no meu colo de tanta ansiedade – Nos conhecemos no shopping, sexta feira passada, e você me deu o cartão do seu tio...

- Oh – a voz dela continuava educada, mas eu percebi uma mudança no tom – Abençoada seja, que bom que ligou. È claro que eu me lembro de você e sua amiga. Você gostaria de falar com meu tio?

Sim, eu precisava de ajuda. E muita.

- Sim, por favor. Eu preciso de ajuda com meus distúrbios de sono...

- Só um momento, por favor – ela pediu, e o telefone ficou por alguns segundos mudo. Meu coração saltava pela minha boca e o fato de Dann estar toda agitada não adiantava muito. Instantes depois ela voltava ao telefone, a voz visivelmente excitada – Você pode vir amanhã ? Meu tio garantiu que pode lhe atender amanhã à tarde se você quiser.

- Claro. A que horas?

- Umas duas horas. Esta bom para você?

- Perfeito. Qual o endereço que posso encontrar vocês?

- Oh, estamos hospedadas no hotel Nichols Plaza, ao lado do shopping que nos encontramos, na suíte 32. È só procurar por Andrew Cotter.

Meu coração doeu por meio segundo. Eles tinham que estar hospedados justamente em um hotel Nichols? A vida não estava sendo justa comigo...

Nada de lamentar Nicolle Crystal.

- Eu sei onde fica – eu disse tentando não deixar minha chateação transparecer – Às duas horas em ponto. E obrigada Aideen.

- Será um prazer. E Nicolle?

- Sim? – Deveria ser o preço da consulta.

- Você vai trazer sua amiga também?

- Danielle? Vou sim. Tem algum problema?

- Pelo contrário – ela disse com aquela voz muito educada me deixando calma de repente – Será um prazer receber as duas. Teremos muito que conversar e você vai adorar o meu tio. Ele é um ótimo psiquiatra. Até amanhã.

- Até amanhã. – mas o telefone já estava mudo.

Danielle quase pulou em cima de mim no exato momento que desliguei.

- Amanhã às duas da tarde. – eu me apressei em informar – Foi Aideen que atendeu. E ela perguntou se você iria junto.

- Claro que eu vou com você. Você acha que eu deixaria você ir sozinha?

Eu sorri da afirmação categórica dela.

- Eu apenas não sei o preço da consulta e nem se vou ter dinheiro suficiente para paga-la.

- Pensamos nisso mais tarde. Eu levo o talão de cheques que minha mãe me deu. Ela sempre fala que eu sou muito moderada mesmo. Não teremos problemas.

Novamente senti meu coração afundando aos poucos. Uma lagrima teimosa quis rolar de meus olhos. E eu não queria me deixar levar por aquele sentimento mais uma vez.

Não valia a pena. Ele não valia à pena.

- Elas estão hospedadas no Nichols Plaza ao lado do Cityplace.

Ela percebeu o meu tom pesaroso e imediatamente ficou alerta, seus enormes olhos castanhos preocupados.

- Henry – ela sussurrou o rosto de boneca vincado de preocupação – Você quer conversar sobre o que aconteceu?

- Não.

Realmente eu não queria. Se Henry Nichols não queria conversar comigo, eu também a partir daquele momento não conversaria com ele e muito menos sobre ele. Ele que ficasse com a Jessica bronzeada ou qualquer outra de sua corja, se assim ele quisesse. Eu tinha muitas coisas com que me preocupar, e o zagueiro do time de futebol não deveria, e não seria nenhuma prioridade em minha vida. Eu nem o conhecia direito. E isso deveria continuar assim. Uma ponte instransponível entre nós dois. Isso era o certo.

Se era o certo, porque meu coração doía ao pensar sobre isso ?

- Nicolle – Dann começou com cuidado – eu não sei o que aconteceu entre vocês dois no estacionamento, mas Henry... bom, ele não é como você esta pensando. Ele é uma boa pessoa. Ele apenas esta fazendo sei-lá-o-quê com aquela metida da Jéssica, mas isso, não muda o caráter dele. Você deveria conhecê-lo.

- Eu não penso nada sobre ele Dann. Para falar a verdade eu nem quero pensar ou falar sobre ou com ele, eu tenho muitas outras coisas com o que me preocupar. E ajudaria se você não mencionasse o nome dele na minha presença. Por favor.

- Mas Nicolle...

- Nada de mas, Dann. Por favor, eu já tive mais do que poderia suportar por uma manhã.

Era visível a contrariedade em seu rosto, mas ela assentiu levemente com a cabeça.

- E quais seus próximos planos? – ela finalmente perguntou.

Isso era fácil.

- Ir para casa e descansar. Amanhã iremos conversar com o tal psiquiatra e avaliar os danos em minha sanidade. Mas agora eu preciso da minha cama Dann.

- Ok. E sobre os filhos e filhas do vento? Eu tenho algum material, posso mandar para você por email agora a tarde. Tenho pouca coisa, já que não há quase nada sobre eles, mas é um começo.

Eu ia protestar sobre esta idéia, eu não queria saber nada realmente daquela lenda que Danielle me contava. Mas na realidade,eu queria sim saber sobre aquilo e não queria de forma alguma magoá-la com uma recusa veemente.

- Amanhã. Amanhã você pode me mostrar toda a sua pesquisa e podemos juntas tentar descobrir mais sobre isso, mas hoje, realmente eu não consigo assimilar mais nenhuma informação.

Ela sorriu e ligou a chave do carro repentinamente, retornando a rodovia, um sorriso tranqüilo nos lábios pelo curto trajeto até a sua casa. Assim que paramos eu sorri para ela.

- Amanhã eu te pego logo depois do almoço, para irmos á consulta?

- Nah. Pela manhã Nicolle. Tomamos café no Country Club.

Aquilo parecia tão esnobe. Não combinava com Danielle. Mas rapidamente ela completou.

- Faremos uma aula de yoga. É ótimo você precisa relaxar um pouco, para não ser imediatamente internada em alguma clinica de reabilitação.

A idéia não era tão ruim. Eu precisava mesmo de algum exercício físico e relaxar, antes que eu começasse a distribuir socos em vadias loiras por aí.

- Ok.

Em poucos minutos ela parava na porta de sua casa. Ela desceu do carro e eu tomei o meu lugar no banco de motorista. Ela se inclinou pela janela e sorriu para mim .

- Não é tão difícil, não é? Confiar em alguém?- ela disse toda animada, mas antes que eu pudesse responder qualquer coisa, ela se virou em direção á sua casa, aos pulos , e antes de entrar pela porta , ela virou em minha direção e completou – E chegue antes das nove . Assim dará tempo de chegarmos ao country club antes da chuva.

- E como você sabe que vai chover amanha Dann? – eu gritei em sua direção.

- Pelo cheiro. Sinta o cheiro da chuva queimando o seu nariz, Nicolle. Não é tão difícil.

E sem dizer mais uma palavra, ela entrou pela porta da sua casa. Como se o fato de revelar aos berros que sentia o cheiro da chuva – quando qualquer pessoa normal poderia passar na rua e ouvir aquilo – fosse uma revelação normal, como comentar a previsão do tempo.

Eu fiz o caminho de volta a minha casa ao mesmo tempo preocupada e aliviada. Aliviada, pois eu tinha tirado todo o peso de guardar todos os sentimentos estranhos dentro de mim e por ter sentido o conforto e alivio com a amizade e as estranhas revelações de Danielle. E preocupada justamente por isso, eu sentia que minha vida entrava em um estranho redemoinho, e conforme eu tentava me salvar, mais fundo ele me tragava.

O sol queimava a minha pele e dava uma sensação claustrofóbica ali trancada em meu carro. O fluxo de carros era intenso, e pelo canto de meus olhos eu via muitas garotas parecidas com Jessica Smith e sua corja de bronzeadas. Aquilo despertou raiva de novo dentro de mim, e no fundo eu sabia que a cidade toda não era composta apenas por pessoas pequenas e nojentas como elas, era só lembrar meus novos amigos, de sua gentileza e compreensão e muitas outras pessoas no colégio, e os professores.

Não era uma cidade feita apenas de esnobes, apesar de todo aquele dinheiro circulando. Mas parece que justamente estes que me perseguiam.

Eu queria o conforto e segurança de minha casa.

Assim que estacionei no meio fio, eu estaquei. O carro de meu pai e o carro de minha mãe estavam parados bem em frente a garagem.

Eu teria problemas.

Respirei profundamente, peguei as minhas coisas e resolvi encarar o que me esperava.

Como eu imaginava ambos estavam me esperando, sentados na bancada da cozinha. Minha mãe deveria ter feito algo parecido com almoço e café da manhã ao mesmo tempo. O cheiro familiar da comida de minha mãe despertou a fome no meu maltratado estômago, e eu com calma me aproximei da bancada.

Os castanhos olhos de minha mãe, tão parecidos com os meus espelhavam alivio e preocupação.

Já o meu pai ainda era todo nervosismo e cansaço, e mais alguma coisa. Ele ainda era um homem bonito, e muitas garotas da minha antiga sala faziam piadinhas com o fato de eu ter um pai jovem, mas em seus cabelos claros já eram visíveis cabelos grisalhos e rugas ao redor dos doces olhos amendoados.

Eu me aproximei lentamente da bancada, jogando a minha mochila em um canto, e me preparei para o que viria.

E assim que me sentei, o interrogatório começou. Quinze minutos ininterruptos sobre os acontecimentos da manhã no colégio. Para minha surpresa eles ainda não sabiam sobre o meu incidente com as tochas e eu suavizei o máximo que eu pude a minha explicação, escondendo o fato que eu tinha ficado desacordada e omitindo o nome de meu salvador.

Mas o estrago maior já estava feito, e meus pais ficaram muito, mas muito estressados com tudo o que eu contei, e com o que eles sabiam.

Uma coisa era certa sobre o século vinte e um. As noticias se espalham com uma velocidade impressionante, assim como os boatos, e não é possível esconder alguma coisa por muito tempo. Os segredos valiam ouro.

Quando eu percebi que o interrogatório tinha dado uma pequena pausa, eu me servi de uma grande quantidade de purê e salada, e de algumas pequenas salsichas de churrasco que minha mãe preparava na frigideira e eram deliciosas. Eu estava faminta.

Após algumas garfadas que aqueceram o meu estômago imediatamente, eu percebi o que estava errado. Meu pai àquela hora do dia em casa?

Ele deu de ombros assim que perguntei.

- Eu precisei de um pouco de ar depois das noticias que seu colégio havia sido invadido por seqüestradores e depois da minha reunião pela manhã.

- Oh verdade papai, o cliente novo. Como que foi?

Minha mãe se adiantou um misto de admiração e preocupação.

- Seu pai foi promovido. Esta com a conta mais importante do escritório.

Eu o abracei e dei um leve beijo em sua bochecha, mesmo não sabendo se era um motivo para comemorarmos.

- Parabéns papai, eu acho. E quem é o seu cliente? Alguém bem conhecido?

Meu pai suspirou pesadamente. Hum, aquilo me cheirava problemas. Mais um entre tantos.

- Nichols Ink. , você já deve ter ouvido falar. Uma rede de hotéis, um cassino em Vegas, entre outras coisas. Tem um hotel Nichols ao lado do Cityplace, e outros em Júpiter, Laguna, Boca Raton e por toda a Florida.

Meu apetite desapareceu na mesma hora, sendo substituído por um nó em meu estômago. Claro que eu conhecia o hotel Nichols.

Aquele nome me perseguia aonde quer que eu fosse. E agora meu pai trabalhava para os Nichols. Por que o destino ou fosse lá quem quer que fosse, estava fazendo este tipo de brincadeiras sem graça comigo?

- Você trabalha para os Nichols agora pai? – eu mal poderia acreditar.

- A conta é minha sim filha. – então ele virou os olhos para minha mãe, que me estudava com olhos curiosos – E ainda por cima ganhei três estagiários que não são muito mais velhos que Nicolle, e dois contadores mais velhos do que eu e que me olham como se eu fosse o grande vilão da história. Isso sem contar que vou treinar o herdeiro Nichols, um garoto da sua idade filha. Inclusive ele estuda na sua escola, Henry Nichols. E se você por acaso o conhecer Nicolle, quero você bem longe dele, ele é um conquistador adolescente. As estagiárias do escritório já estão enlouquecidas por causa do garoto. Eu quero você bem longe dele, entendeu? Eu ainda não o conheço, mas pelo que percebi, ele é confusão na certa.

Um conquistador adolescente. Estagiárias enlouquecidas. Meu pai o treinaria nos negócios da família.

Reconhecimento passou pelo rosto de minha mãe. Eu já conseguia ver as engrenagens do cérebro dela, ligando o nome Nichols ao Henry que ela conheceu no shopping. O meu olhar assustado deve ter chamado alguma atenção também.

- E como é o Sr. Nichols, o pai?– minha mãe perguntou olhando seriamente para mim.

- Scot Nichols. – meu pai deu um profundo suspiro – um dos seres mais desprezíveis que eu já tive o desprazer de encontrar na vida. Mas junto a conta nova veio um belo aumento. Vamos ter uma boa vida aqui na Flórida, Carol.

- E o seu livro, como que fica? Você não vai ter mais tempo para se dedicar a ele, querido.

Meu pai então puxou minha mãe pelas mãos e deu um beijo doce em sua palma. Em seguida ele estendeu os braços em minha direção e me enlaçou em um abraço reconfortante.

- Depois – ele murmurou afagando os meus cabelos – Agora é hora de me dedicar a vocês duas. Falta pouco para Nicolle ir para a faculdade. Preciso me preocupar em pagar uma boa faculdade para a nossa garotinha. Depois eu tenho todo o tempo para terminar o meu livro. Não se preocupem.

Eu senti um aperto na garganta, como sempre acontecia quando meus pais faziam alguma coisa assim. Eles sempre se preocuparam demais comigo, sempre estiveram presentes, mesmo em nossas fases mais difíceis e apertadas, em Seattle.

Eu sentia lagrimas brotando novamente pelos meus olhos, e eu não queria ser vista. Eu dei uma breve desculpa como cansaço após a confusão do colégio – o que não era uma mentira – um beijo rápido em cada um deles e subi correndo para o meu quarto.

Afundei em minha cama, me escondendo embaixo de meu edredom. Então eu liguei os fatos. Scot Nichols. Henry S. Nichols, como Danielle o apresentou no meu primeiro dia de aula. Henry Scot Nichols. Herdeiro da fortuna de sua família e conquistador adolescente. Estagiárias enlouquecidas e líderes de torcida e não sei mais quantas garotas atrás dele.

Eu deveria ficar longe dele. Depois de tudo que aconteceu naquela manhã, eu sabia que era errado, que eu não deveria me importar com ele, estar perto dele, e nem ao menos lembrar que ele existia. Nós éramos de mundos diferentes, e agora eu percebia, ele era tudo que eu pensava um conquistador, cheio de garotas por todos os lados.

Na escola ele podia ser discreto, já que estava saindo com Jessica Smith, e por apenas este motivo eu deveria manter uma distancia bem segura – de no mínimo um continente – mas eu sabia que aqui fora, aonde os garotos ricos podiam se soltar e fazer o que quisessem ele deveria ser tão mimado quanto eu imaginei . Eu não sabia o que ele fazia aqui fora.

Mesmo eu tendo encontrado ele por dois dias seguidos e o encontrando sempre sozinho, ele deveria ter um séquito de garotas a sua disposição.

Meu lado menos racional lembrou como ele me olhava e de como eu me sentia quando ele me tocava, mas imediatamente eu afastei essa idéia de minha mente. Eu era novidade, claro, e ele deveria testar seu lado charmoso em cima da garota nova, mesmo ela não sendo tão bonita, rica e popular como a sua namorada.

E eu me machucaria nesta história toda.

Eu já tinha tantos problemas, meus sonhos, essa história de bruxas e filhas do vento, lendas e insanidades que minha mente cansada produzia. Eu tinha muito que resolver e era com isso que eu deveria me preocupar.

Mas lagrimas teimosas ainda corriam pelo meu rosto, oprimindo o meu coração. Meu peito doía e eu estava tão cansada. Aquele havia sido o mais longo de meus dias. E eu não sabia o que o dia de amanhã me reservava.

Em algum lugar no meio deste caos, eu adormeci. Um sono sem sonhos e nem pesadelos, um sono pesado, que relaxou o meu corpo e minha mente.

Quando eu acordei o céu já estava escuro. Passava das nove horas da noite. Eu havia dormido por muito tempo.

Meus pais deveriam estar preocupados, e meu estomago roncou de fome.

Tomei uma ducha rápida e coloquei um confortável pijama. Não me preocupei em secar os meus cabelos, amanhã eu resolveria isso. Eu teria o dia longe da escola.

Um bip baixinho chamou a minha atenção. Eu reconheci como o do meu celular, perdido na bagunça que era a minha bolsa.

Eu tinha varias mensagens de texto e duas ligações perdidas. Uma de Jack e outra de Danielle.

As mensagens eram de meus amigos, Patrícia, Hellen, Juliet, Michel e até do tímido Paul, todos me desejando uma boa noite de sono e melhoras depois do susto que eu passei. A mensagem de Hellen era divertida “Chutaremos uns traseiros magrelos“

Com essa eu ri. Hellen era loira e tão magra como elas, e até mais bonita, mas ela nunca se igualaria a nenhuma da corja de bronzeadas.

Fiquei surpresa ao ver uma mensagem de minha amiga Becca.

“Passo o feriado na Florida com vc. Passagem barata. Quero conhecer todos os gostosos nativos. Beije muito por mim.”

Sorri diante dos desejos comuns e simples de Becca. E fiquei feliz, eu a veria no feriado.

A próxima mensagem era de Jack.

“Uma linda noite de sono para uma linda princesa que precisa descansar. Guardião e amigo. Jack”.

Eu sorri. Jack era fofo. Não era o tipo de cara que você fica com raiva por estar atrás de você, mesmo você dizendo não. Era do tipo que fazia o coração se aquecer e fazer você feliz. Eu sabia que podia repensar meus conceitos sobre ele, assim que meu coração e minha mente entrassem em algum eixo. Seria fácil estar com ele e gostar dele, eu sabia disso. Alguém de meu mundo, alguém que eu podia confiar que não me faria sofrer.

O fato de ele ser realmente bonito e gentil ajudava, é claro. Eu apenas precisava convencer a mim mesma que não deveria mais pensar em Henry Nichols.

A última mensagem era de Danielle.

“Amanhã será um novo dia, cheio de surpresas. Aproveite a vida!”


Sim, era isso que eu faria. Aproveitaria a minha vida, os meus amigos e resolveria todos os meus mistérios. Bruxa ou não, era hora de encarar, mesmo eu sabendo que tinha algo diferente comigo. Outros podiam me aceitar como Danielle fez. Eu não sabia quanto aos amigos que eu deixei para trás, como Becca, mas Jack e as garotas podiam. Mesmo eu sendo alvo de piadas as vezes .

Meu estômago roncou. Era hora de descer e garantir um pouco de normalidade aos meus pais.

Quando eu abri a porta, minha mãe estava do lado de fora, de pijamas e uma bandeja enorme. Alguns lanches, um balde de pipoca e duas latas de coca-cola.

- Serviço de quarto – ela gracejou, enquanto entrava porta adentro. – Faz muito tempo que não temos uma noite de garotas, mesmo sendo uma feita de mãe e filha. Olha o que eu trouxe, Titanic, versão especial do diretor, quatro DVDs. Cenas especiais e tudo o mais.

- Mas e o papai? – meu tentei não pensar sobre o fato que minha mãe queria assistir Titanic pela centésima vez.

- Dormindo. Ele esta preocupado com a nova conta. – ela colocou a bandeja enorme bem no meio da minha cama e ligou a TV, colocando o filme no pequeno aparelho de DVD de meu quarto para assistirmos. – E o garoto que seu pai estava falando era o mesmo que você encontrou ontem no shopping, não era?

Eu peguei um punhado de pipoca - com manteiga, do jeito que eu gostava – coloquei na boca e sentei em minha cama, fingindo que não tinha entendido a pergunta direta de minha mãe.

- Você tem certeza que quer chorar por Jack e Rose hoje à noite mãe? – eu disse de boca cheia.

Ela sentou ao meu lado e me olhou seriamente, do jeito que ela fazia sempre que eu tentava esconder alguma coisa dela. Com meu pai funcionava facilmente esconder coisas, mas nunca com a minha mãe.

- Sim, o mesmo – eu disse em um tom de aliás – Mas não tem com o que se preocupar, eu já lhe disse que eu e ele, bom, não trocamos mais que duas ou três palavras.

- Eu não acredito em você.

- Mamãe!

- Nicolle Crystal – ela disse em tom de desaprovação – Você não acha que não vi a forma que vocês se olharam. Eu acho que tem mais aí do que você quer me contar.

Eu suspirei pesadamente. Eu não queria mais conversar sobre Henry Nichols, muito menos com a minha mãe.

- Eu já lhe disse tudo ontem mãe. Somos colegas de turma, nada além disso. Eu já lhe disse inclusive os motivos do por que eu não poderia ter nada com Henry Nichols. E você viu o que papai contou sobre ele. Um conquistador.

- Seu pai é exagerado com tudo que se refere a você. Se incluir garotos então, nenhum com certeza servirá para a garotinha dele.

- Mamãe – eu pedi docemente, apertando o play do DVD – por favor, não vamos continuar sobre esse assunto. Noite de garotas, lembra?

Eu percebi pelo olhar que ela me deu que eu não teria paz. Ela pegou um pouco de pipoca e abriu as nossas cocas, mas algo me dizia que ela não tinha desistido. Caroline Crystal não desistia nunca.

Tempos depois estávamos suspirando por Jack e Rose, flutuando no navio. Choramos juntos com a parte que eles estavam congelando no meio do oceano, e naquele momento minha mãe não parecia muito mais velha que eu. Eu resolvi perguntar a ela algo que sempre me incomodou.

- Mãe você se arrepende?

- Hum?

- De ter me tido tão jovem. Você nem conseguiu terminar a faculdade.

Ela de repente me enlaçou e me deu um longo beijo no topo da cabeça. Eu sei que para muitos adolescentes era embaraçoso, mas tínhamos um relacionamento carinhoso em minha casa. Apesar de que, fora de casa, sim, era um pouco constrangedor.

- Não, minha garotinha – ela garantiu docemente – você foi o maior presente, meu e de seu pai. Mas é claro que não queremos o mesmo para você. Você esta destinada a realizar grandes feitos.

Eu senti um misto de alívio e arrependimento com a revelação de minha mãe. Ela tinha tanta confiança de que eu seria capaz de fazer grandes coisas, mas eu não conseguia revelar meus medos e angustias dela. Mas foi então que algo passou pela minha mente.

E se Danielle não estivesse tão errada em acreditar em sua Deusa? Tudo na vida tinha um equilíbrio, o feminino e o masculino, luz e trevas. Por que não a face feminina na criação?Uma mãe, e não somente um pai.

Sim, eu não era muito religiosa, mas aquilo fazia algum sentido para mim enquanto estava ali, aninhada com minha mãe. Eu me sentia segura, meus pensamentos não tão desconexos.Fechei meus olhos e senti meu corpo imediatamente relaxar.

E assim eu adormeci, entrando em um mundo calmo, sem pesadelos.

Eu ouvia ao fundo uma suave melodia, que trazia paz em meu coração. Essa voz sussurrou em meus ouvidos.

“Você esta no Caminho certo, minha filha. Minha filha do povo dos ventos.”


Eu me sentia tranqüila. Aquela voz me garantia que tudo ficaria bem.

Apesar dos frios olhos azuis, que me assombravam até em meus sonhos.

Playlist "As filhas do vento"


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