domingo, 5 de abril de 2009

Cap. 3 - Encontro entre as sombras

Minha primeira idéia ao subir as escadas de casa era sumir de West Palm Beach, da Flórida e até mesmo do sol irritante.

Eu poderia ir para o Texas, e ficar na pequena fazenda de minha avó. Claro que eu ainda teria sol, mas poderia ficar com ela por um tempo - o suficiente até ir para a faculdade talvez.

Pensei na possibilidade de pedir asilo para os pais de Becca. Voltar para Seattle era o meu maior desejo.

Entrei no meu quarto dando vivas por ainda estar sozinha em casa. Meus pais retornariam do trabalho apenas horas depois.

A atitude mais honrada que me restava era me trancar no quarto, fechar as janelas e me enfiar embaixo do meu edredom, escondida do resto do mundo. Claro, com o ar condicionado ligado.

E foi isso que eu fiz.

Pensei, e pensei e pensei. Pensei em várias alternativas de fuga, do que diria aos meus pais, e do quanto eu queria sair correndo da Flórida e de todos os riquinhos mimados que a cercavam. Eu apenas queria fugir de toda esta confusão que se anunciava.
Foi aí que eu percebi que eu estava sendo absurda. Absurda e idiota.

Primeiro, por que não era exatamente como se eu realmente estivesse em perigo. Meu pequeno problema não era como se eu estivesse passando fome, em necessidade, sendo uma sem teto, ou com alguma doença grave. Nada disso. A maioria dos seres humanos deveria ter maiores problemas com que se preocupar do que meu pequeno drama ali se desenvolvendo. Se eu pensasse friamente, estávamos em uma situação melhor do que quando morávamos em Seatle. A nossa casa agora era muito mais confortável, de dois andares, com uma mobília nova e com muito estilo. Tínhamos uma TV de plasma grande na sala. Eu agora tinha um computador novo, um quarto grande e espaçoso, com uma janela em forma de sacada. E eu tinha meu próprio banheiro.

Isso sem contar no sorriso no rosto de meus pais. Estávamos morando em Palm Beach há quatro semanas, desde meados das ferias de primavera. E eu não vi meus pais sem um sorriso no rosto nenhuma vez.

Eu poderia viver com meus problemas. Eu tinha certeza disso. Eu sempre fui corajosa.

Sempre gostei de enfrentar tudo de frente e adorava um desafio

Mas por que eu tinha a sensação de que queria correr e correr para bem longe?

Eu me revirava na cama, sentindo-me um pouco sonolenta, com o rosto escondido em meu travesseiro, sabendo que era patético eu estar fazendo isso agora, pois o sol ainda estava alto no céu.

Mas eu queria correr e fugir.

E de repente eu percebi que era o que eu estava fazendo.

Correndo. Eu estava correndo.

Eu corria por várias ruas que eu não conhecia. Vi o vulto dos prédios e dos carros, pois eu corria com uma velocidade anormal.

Estava descalça. Usava apenas meus jeans mais confortáveis e uma blusa branca, que eu gostava muito, do Seattle Supersonics, antes da triste mudança para Oklahoma.

Eu sabia que alguma coisa estava errada, pois era completamente errado eu estar correndo descalça e com esta velocidade, mas adrenalina corria pelas minhas veias enquanto eu sentia o mundo se deslocando de uma forma completamentente surreal.

Eu percorri toda a costa de West Palm, sentindo a areia macia sob meus pés, o cheiro do mar, sentindo meus cabelos grudando em minha nuca em uma camada grossa de suor.

Era estranho.

As pessoas não olhavam, não paravam para observar uma alienada correndo pelas ruas como se fosse um borrão. Ou talvez fossem exatamente que eles não estranhavam. Eles não poderiam me ver. Eu me deslocava rápido demais para os seus olhos.

Eu tinha plena consciência de coisas que eu nunca havia realmente sentido.

O zumbir do vento, alto e claro em meus ouvidos. O cheiro da terra e do oceano, como se eles tivessem entrado pelas minhas narinas e estivessem se alocando em cada uma de minhas células. O sol ardia como brasas em minha pele, mas não doía.

Eu conseguia sentir uma onda magnética ao longe. Uma nuvem pesada de chuva pairava sob mim, apesar do sol causticante. Era como se ela me seguisse , agitando-se em minha corrida louca.

Minha garganta estava seca. Meu coração batia em um ritmo acelerado, enquanto eu testava meus limites, aumentando a força de meus pés no chão.

Era como se eu flutuasse.

De repetente, em algum lugar em minha euforia, eu senti que eu queria um café. Mas não qualquer um, eu queria um da Starbucks. Agora. Eu queria sentir um gosto muito conhecido, como se fosse o gosto de minha casa. Eu pensava tanto em Starbucks que de repente eu me vi em frente de uma loja. Não parecia muito com a que eu tinha ido a Palm Beach, nem a antiga em Seattle, a apenas duas quadras de minha casa. Era em outro lugar.

Era mais escondida, em uma rua pequena, com árvores por todos os lados.

Mas eu ainda conseguia sentir o cheiro do mar. Eu não devia estar muito longe de casa.

A rua era de pedras, pequenas, formando desenhos em espirais sem sentido para mim.

E havia um cara me observando. Os olhos fechados em fendas , como se duvidasse o que via bem em frente em seus olhos.

Era alto, e loiro. Não era grande como alguns caras que eu havia visto por aqui, pois era esbelto, a pele bronzeada de sol. Mas apesar de não ser formando apenas por músculos, eu vi de imediato que ele era forte. Muito forte. E ele era lindo. Muito mais do que lindo.

Seus músculos estavam tensos.

Eu estaquei de imediato, um frio percorrendo por toda a minha espinha. Eu conseguia sentir todos os pelos de meu corpo eriçados.

Ele fechou os olhos uma vez e os abriu novamente, como se para se certificar que eu estava bem ali.

Eu sentia a boca de meu estômago se apertar, mas por algum instinto idiota, eu me aproximei dele.

- Você consegue me ver? - eu perguntei pateticamente.
Seus lábios se abriram em um sorriso que dizia: "Perigoso. Eu sou perigoso.”.

- Sim, eu a vejo - ele respondeu. Sua voz era magnética, e parecia que me atraía cada vez mais para perto dele.

Eu dei um passo mais para frente e ele levou sua mão esquerda em minha direção.

De repente ele agarrou o meu braço, me puxando para bem perto dele.

Meu coração foi a mil. Eu me senti tonta de repente e medo percorria cada centímetro de meu corpo. Minha vista ficou turva, e era como se eu visse apenas sombras por todos os lados. Estávamos envoltos em sombras, mas a luz do sol ficava cada vez mais forte.

Eu queria correr, mas de alguma forma eu não tinha força - nem vontade - de tentar puxar meu braço de novo e sair correndo de perto daquele cara.

- Uma filha - ele disse, dando uma ênfase estranha a palavra. Então ele continuou - Eu senti seu cheiro , muito fraco, mas eu sabia que conseguiria te encontrar . Seja bem vinda filha do vento.

- Filha do que? - Percebi que minha voz tremia.

- Não se assuste, não tenha medo de mim, menina. Posso cuidar muito bem de você. - ele me puxou mais para perto, e eu vi que nossos rostos ficaram a apenas alguns centímetros. Eu conseguia sentir o cheiro dele queimando em minhas narinas.

Forte, amadeirado, delicioso.

Oh meu Deus. Eu percebi que ele era mais bonito do que eu imaginava. Seus olhos eram de um verde profundo. Mais do que perigo era mostrado neles. Perigo e desejo, de uma forma violenta.

- Me solta, por favor, me solta. - eu implorei com uma voz fininha - Me solta, eu quero ir para casa.

- Casa? Oh não. Você já esta em casa. Eu sou a tua casa.

E ele sorriu novamente, fazendo o meu corpo inteiro se arrepiar, de medo e atração.

Eu consegui ficar mais desesperada do que antes. Eu queria minha casa, meus pais. Eu queria um lugar seguro. Eu precisava de proteção.

- Por favor, me solte - eu implorei novamente.

A sua outra mão se enroscou em minha nuca, com força em meus cabelos.
Eu sentia que poderia desmaiar a qualquer momento. Eu estava ficando cada vez mais tonta.

Oh por favor, por favor, eu preciso sair daqui.

- Não tente fugir de mim - ele me disse, com uma voz que não era maliciosa, e sim, de comando.

- Não! - eu gritei - Não. Não. Não.

Havia muitas pessoas em nossa volta, mas nenhuma olhava.

Eu vi vários surfistas fortões perto de nós que poderiam acabar com este cara em segundos. Assim eu imaginava. Mas eles não nos olhavam. Éramos invisíveis.

Eu precisava de ajuda. Oh meu Deus, eu precisava de ajuda.

- Por favor, alguém me ajude - eu comecei a gritar - Socorro. Alguém me ajude.

Lágrimas rolavam pelo meu rosto, e eu estava desesperada. Fechei meus olhos com força, quando eu senti o aperto de suas mãos aumentar em meu braço e em meus cabelos. Ele era forte. Tão forte.

Eu não conseguiria fugir dele nunca.

Por favor, alguém me ajude. Eu implorei uma ultima vez em minha mente. Eu sabia que minha voz não saia mais. Eu estava fraca. Muito fraca. Eu tentava me debater nos braços daquele estranho em uma tentativa fracassada de me soltar. Mas ele era forte. Tão, tão forte.

Eu estava perdida.

Foi então que eu senti meu corpo rolar pelo chão em um baque surdo.

Eu cai. Mas não era no chão duro de pedras em frente à Starbucks. Era mais macio. Quente e confortável. Eu senti uma pelugem macia em meu rosto.

Eu ainda tinha medo de abrir meus olhos e encontrar aquele estranho amedrontador.

Mas eu sentia que estava sozinha. Não sentia mais seu toque perigoso.

Eu abri meus olhos e vi que estava em um outro lugar. Era uma casa. Eu tinha certeza que era uma casa. Mas não a minha ou qualquer outra que eu conhecesse.

Temendo me levantar, rolei um pouco meus olhos pelo ambiente, e vi que estava realmente em uma casa, em cima de um tapete muito macio, marrom, que deveria ser muito, mas muito caro. Em minha frente um sofá creme, grande e que parecia ser tão caro quanto. Eu via algumas esculturas de mulheres.

Eu vi chamas um pouco adiante de mim, o que me assustou, até eu perceber que era uma lareira.

Foi neste exato momento que eu percebi que não estava sozinha. Havia outra pessoa comigo lá. Eu levantei em um salto, pronta para correr novamente, pois sabia que aquele louco havia me levado para algum lugar.

Mas minha cabeça girou e eu senti uma aguda náusea. Meu corpo todo latejava.

- Por favor, cuidado. Não se levante ainda. - pediu uma baixa voz masculina.

Eu queria chorar e gritar. Eu queria apenas fugir daquele cara. Eu voltaria para West Palm, para os reis mimados, para qualquer coisa que quisessem. Eu apenas queria ir embora.

Uma suave mão tocou o meu braço. E eu gritei. Gritei até que meus pulmões começassem a doer, e perder o fôlego. Eu me debati e tentei escapar daquela mão que tentava me segurar. Eu queria correr.

- Por favor - aquela voz novamente pedia - você esta segura. Eu não vou machucar você. Por favor.

Eu não podia confiar naquelas palavras. Eu ainda estava com muito medo e nauseada. Minha mente rodopiava.

- Por favor, meu nome é Andrew. Eu não vou te machucar. Você esta na minha casa. Por favor, se acalme.

Ele me soltou e foi para longe de mim. Suas mãos estavam em sua frente, como se ele tentasse demonstrar que não oferecia perigo a mim.

Eu tentei respirar fundo, uma, duas, vinte vezes consecutivas, tentando fazer meu louco coração tentar bater de uma forma que não me levasse a um enfarte muito prematuro. Superando meu medo, eu olhei para aquele estranho que tentava soar gentil.

Ele deveria ter qualquer coisa entre vinte e trinta anos. Era difícil de dizer, pois ele parecia muito jovem.

Ele também era louro, seus cabelos caindo abaixo de seu queixo, lisos e uma cor de mel. Era alto e magro, mas não parecia que tinha aquela força perigosa do homem estranho que havia me assustado tanto. Ele estava usando apenas jeans e um suéter claro Sua pele era clara, um pouco pálida, mas ele era tão, ou mais incrivelmente bonito que o meu agressor.

Olhei em seus olhos, e vi que estavam grandes e assustados. Realmente assustados comigo e ao fato de eu estar deitada gritando em sua sala.

- Você esta segura - ele me assegurou novamente em sua voz gentil. Ele ainda mantinha distância de mim .

Eu respirei longamente mais uma vez. Olhando naqueles olhos grandes, era fácil me sentir seguira. Era quase como olhar nos olhos de meu pai.

Apenas muito jovem e parecido com um astro de cinema.

Vendo que eu o olhava ele sorriu. Não da forma que um cara faz quando percebe que uma garota o esta avaliando. Ele ainda parecia mais como um pai ou um irmão mais velho preocupado.

- Como eu vim parar aqui? - eu perguntei debilmente.

Ele se aproximou estante e me estendeu as suas mãos, para me ajudar a levantar. Eu peguei as suas mãos e me senti subitamente aliviada. Não tinha aquela atração louca como antes, era suave, tranqüilo, familiar, paternal. Eu me sentia em casa.

Se Becca me ouvisse falar que estava na frente de um cara tão lindo como esse e que eu me sentia como se visse meu pai, ela tentaria me dar um direto de esquerda.

Ele me levou para uma poltrona muito macia, próximo à lareira.

Olhou longamente em meus olhos e parecia fascinado.

- Eu não sei. De repente você apareceu no meio de minha sala gritando por ajuda.

Eu suspirei longamente, tentando sentir alívio, mas ainda tinha um pouco de medo. E se aquele cara no fundo fosse perigoso, ou quisesse chamar a polícia e me denunciar por invasão de propriedade.

- Qual seu nome, filha? - novamente aquela inflexão na palavra. Era estranho na voz daquele cara. Ele era tão novo...

- Nicolle.

- Do que você fugia Nicolle?

- De um cara perigoso. E ele me lembra um pouco você.

Seus olhos se estreitaram um pouco e eu vi que eles também eram de um verde profundo.

Eu procurei ao meu redor e vi que havia duas garotas conversando do outro lado da sala. Aparentemente, elas não estavam prestando a menor atenção no que acontecia bem ali, perto delas. Elas não me viam também.

Vendo a direção dos meus olhos, ele sorriu novamente e olhou para mim. Era fácil confiar naquele cara.

- Não se preocupem. Elas não estão te vendo.

- Quem são elas? - eu perguntei.

Elas pareciam ter a minha idade, mas não pareciam com ele. Uma era pequena e morena. E a outra ruiva. Será que este cara era um tarado?

Era tão difícil imaginar isso...

- São minhas alunas. - sua voz ainda era calma - De quem você realmente fugia Nicolle?

- Eu não o conhecia - respondi pesadamente.

Oh, eu estava tão cansada.

Novamente ele me olhou, seus olhos brilhando, como se ele houvesse encontrado algo que procurava ha. muito tempo. Não era de uma forma pervertida, nem algo do gênero.

Não posso dizer que aquele cara era gay ou não, mas ele não me olhava como se olhasse para uma garota. Era muito, muito familiar.

De repente eu percebi que toda a situação que eu estava vivendo era absurda. Nada daquilo deveria ser real. Nem o fato de eu correr com uma velocidade sobre humana.

Nem o cara perigoso, nem esse estranho lindo que me olhava intrigado.

- Eu estou sonhando, não estou? - minha pergunta soava mais como uma afirmação.

Seu sorriso aumentou e ele pegou a minha mão. Era muito tranqüilo.

- Sim, - ele me disse - Mas, por favor, Nicolle, onde você mora?

Eu sabia que eu estava sonhando. Tudo era tão bizarro.

Eu olhei novamente para aquele estranho - Andrew - e sorri.

- Eu fiquei com muito medo que tudo fosse real.

- Não se preocupe. Mas eu ainda quero saber onde você mora e como você me encontrou. Eu posso te ajudar, filha.

Alívio tomou conta de meu corpo, mas eu novamente fiquei tensa ao ouvir a palavra.

Eu queria voltar para a minha casa.

Como eu queria voltar para a minha casa.

- Eu não sei como encontrei você. Eu nem sei o que eu estou fazendo aqui. E por que todos ficam me chamando de filha?

O sorriso dele morreu em seu rosto. Ele ficou tenso de repente.

- O outro... O outro a chamou de filha também?

- Sim - eu assenti.

- Você sabe o que isso significa?

- Não. E olha na realidade eu realmente estou cansada. Quero voltar para casa agora.

Eu me levantei e tentei encontrar o caminho da porta. Ele era agradável e tudo o mais, mas este sonho já estava longo demais.

- Por favor, aonde posso encontrar você, Nicolle?

- West Palm Beach - eu respondi de pronto, vendo que eu não encontrava a porta.

Mas depois de ver o absurdo de toda aquela situação, eu percebi que o jeito de voltar para a minha casa era mais simples do que eu poderia supor.

- Se isso é um sonho, eu posso acordar a qualquer momento não é?
Ele sorriu.

- Sim, mas ainda me diga aonde exatamente...

Foi então que eu fechei meus olhos com força e sorri.

A próxima coisa que eu senti foi um toque suave em minha testa. Um toque que eu reconheceria sempre.

- Como foi seu dia, garotinha?

Eu abri meus olhos, e vi que minha mãe estava ali, sentada comigo em minha cama, um quente sorriso em seus lábios.

Eu estava de volta ao meu quarto. E então, finalmente, eu relaxei.

Esses sonhos estavam se tornando insuportáveis.

Mais cedo ou mais tarde, eu precisaria encontrar uma ajuda profissional

Playlist "As filhas do vento"


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