segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Cap. 16 - A verdade contra o mundo

Mal passava das dez horas da manhã e eu já estava com vontade de socar alguém.

Primeiro porquê Danielle me acordou as sete horas da manhã. E não foi pelo celular não, ela tinha vindo de carona com a sua mãe até a minha casa, e literalmente me arrancou da cama já que meus pais tinham deixado ela entrar antes de saírem para o trabalho. Aparentemente meus pais estavam sofrendo de algum tipo de encantamento pela minha amiga. Eu não podia culpá-los, Dann era realmente encantadora.

Menos às sete horas da manhã, em nosso dia de folga, mesmo que involuntária

O segundo motivo de meu ódio contra o mundo era porque estava chovendo. E muito. Minha primeira tempestade na Florida. O ar um pouco frio, o ar sibilando em meus ouvidos enquanto o cheiro úmido queimava o meu nariz. Um pouco forte demais, eu estava começando a sentir uma leve dor de cabeça.

A chuva tinha começado um pouco antes das nove horas da manhã, como Danielle havia previsto. Chegamos ao country clube bem a tempo, antes da fúria em forma de água acabar com meu cabelo, mas isso não seria uma grande perda, já que ele estava bagunçado e armado, pois graças a minha amiga eu não tive tempo de algum conforto, como secá-lo com secador.

E o terceiro e não menos importante motivo para a minha raiva matinal era Dyan Lee.

Dyan Lee era o professor de yoga do country clube e não devia ter mais de dezenove anos. Ok, ele era uma graça, tinha cabelos loiros e lisos, caindo pelos ombros, olhos verdes e era alto e magro, com um corpo bem definido. Lindo, apesar do visual parecido com algum europeu cantor de musica gótica.

Mas ele estava me castigando. Só poderia ser isso, o cara tinha acabado de me conhecer e tinha um problema cármico comigo ou eu era parecida com alguma ex namorada, pois as posições que ele me mandava fazer poderiam ter sido retiradas de algum livro de tortura medieval.

Aquilo não era yoga, era a brincadeira cruel de um ser das trevas.

Tudo começou tranqüilo com meditação, folhinhas navegando pelo mar azul e posições de alongamento e relaxamento. Mas agora, eu poderia estar andando pelas brasas do inferno que seria menos doloroso do que duas aulas seguidas com Dyan Lee.

Danielle estava encantada com ele. Não reclamava de nenhum exercício e tinha o rosto corado e brilhante ao olhar para ele. Sinceramente, se ele não estivesse me punindo por algum crime que eu não cometi, eu estaria feliz por ele deixar minha amiga tão encantada, mas naquele momento eu o odiava com uma intensidade que nem eu sabia que era capaz.

Entre um exercício e outro, eu imaginava arrancando um a um aqueles longos fios louros de seus cabelos, ou então queimando mecha a mecha com um isqueiro.

E alguém tinha ainda coragem de dizer que yoga era exercício para preguiçosos que não gostam de malhar.

Mentira, yoga com Dyan Lee era tão calmo como um a manhã de treinamento com fuzileiros navais.

Depois de duas horas agonizantes, ele deu a aula por encerrada. Eu rapidamente me aprontei e tudo que queria era sair correndo dali, mas Danielle conversava animadamente com o meu carrasco. Animada era pouco, ela tinha ligado o botão “flertar” e fazia isso descaradamente com ele, e Dyan Lee correspondia, com sorrisos e alguns toques em sua mão, muito casuais.

Graças aos deuses, ela se lembrou que tínhamos compromisso e se despediu dele com um breve “até amanhã”, pois ainda tínhamos que almoçar.

Eu sai pisando duro da sala de yoga , meu corpo dolorido em vários lugares , mas eu tinha plena certeza que amanhã eu estaria pior. Mentalmente eu lembrei dos relaxantes musculares e fiquei um pouco aliviada. Danielle em compensação pisava sobre nuvens.

Eu olhei ao redor, e respirei profundamente, o cheiro de terra e grama molhada diminuíram um pouco a minha dor de cabeça. Ainda chovia, e muito. Eu comecei a ficar preocupada, pois tínhamos menos de duas horas para minha consulta com o psiquiatra.

O country clube era realmente como eu imaginava. Verde, florido, sofisticado. Um enorme campo de golfe á direita, uma área reservada as piscinas e aos salões de esportes. Tudo refinado e de muito bom gosto. Pela primeira vez eu dei graças à chuva naquela manhã , pois ela com certeza espantou a maioria dos freqüentadores

Fomos até uma lanchonete que tinha uma espetacular vista para o campo de golfe. Decorada em tons claros de verde e lilás, parecia mais um restaurante chique do que lanchonete de clube, ainda mais que, em vez de garçonetes vestidas de shorts e camisetas , tínhamos garçons de verdade , e vestidos a caráter.

Escolhemos uma pequena mesa bem em frente à varanda, a espetacular vista de toda a opulência que a Florida podia proporcionar para aqueles que podiam pagar por ela.

Bom, pelo menos o serviço era bom. Em poucos segundos o garçom retornou com os nossos pedidos.

- Oh, ele é lindo não é Nicolle? – Danielle suspirou dramaticamente assim que o garçom se afastou. – E os pais do Dyan são terapeutas holísticos, imagina que sonho? Ele vai para a faculdade da Florida no outono.

- O que você quis dizer com até amanhã quando se despediu dele, Dann? – eu perguntei de mau humor enquanto comia o meu hambúrguer com muita vontade.

Ela revirou sua salada. E eu já estava pensando em pedir um mouse de chocolate.

- Ah, eu marquei aulas para nós duas todas as tardes, já que esta semana não teremos aula depois do almoço.

Eu engasguei com o meu lanche.

- O quê? – eu bravejei – Você esta maluca?

- Não se preocupe, é ruim apenas no primeiro dia, mas depois você vai me agradecer pelas maravilhas que a yoga vai fazer com seu corpo e espírito.

Eu queria protestar, dizendo que a única maravilha que a yoga estava fazendo era deixar meus músculos mais próximos de uma contusão, mas Danielle então ficou toda vermelha e com os olhos brilhantes.

- E depois, Dyan Lee... – ela suspirou.

Imediatamente eu lembrei o comentário de Patrícia e Hellen de que ela deveria se interessar por algum cara finalmente, e imaginei que ela deveria ter tido alguma decepção amorosa bem séria no passado.

Eu preferia ter farpas enfiadas embaixo das minhas unhas ao invés de fazer outra aula de yoga com Dyan Lee, mas resolvi me calar. Se ela estava interessada nele e ele parecia corresponder, não seria eu a chata que ficaria no meio de duas almas gêmeas.

Ok. Vamos dar um pouco de crédito ao cara. Se ele ao menos não a chamasse para sair, aí sim eu poderia contratar alguns capangas para concretizar a minha vingança. Mas por enquanto, o cara que é fruto de interesse de uma amiga torna-se intocável.

Amanhã na hora da aula eu inventaria alguma desculpa assim que chegássemos ao country clube, como uma contusão ou mesmo diarréia, e ela faria a sua aula com o príncipe gótico e eu ficaria feliz com meus músculos no lugar. Simples assim.

- Você esta preparada para encontrar o Dr. Cotter? – ela perguntou, mas seus olhos ainda estavam deslumbrados por Dyan Lee. Vai entender.

- Sinceramente apavorada. Nós conhecemos as garotas em um shopping e agora estamos indo há um hotel onde estão hospedadas para conhecer o tio delas, o tal psiquiatra. E se ele for um maníaco sexual que utiliza as sobrinhas para atrair outras garotas menores de idade? E se elas nem forem sobrinhas, mas sim garotas seqüestradas? Eu pensei muito nisso esta manhã.

Danielle revirou os olhos. Mas eu tinha pensado muito sobre isto durante a aula de yoga. Bem, pelo menos na primeira parte que os meus músculos estavam sendo castigados

Ela esperou o garçom trazer nossas cocas para sussurrar para mim.

- Você é paranóica Nicolle!

- Admita que pode acontecer. Você não assiste aos noticiários?

Ela abriu a sua bolsa e tirou um pequeno laptop de lá. Uma máquina pequena e prateada e muito fofa. Eu não sabia que Danielle era tão ligada a coisas tecnológicas.

- Ontem enquanto você tinha seu merecido repouso, eu pesquisei tudo sobre o Dr. Cotter. – ela ligou o laptop e me mostrou varias telas de pesquisa – Ele é bem renomado Nicolle, teses e pesquisas publicadas, estudo de distúrbios do sono, interpretação de sonhos e inclusive sobre capacidades extra-sensoriais, como tele cinese e vidência. Não encontrei nenhuma foto dele, mas encontrei um fato muito interessante.

- Qual fato interessante?

- O avô dele, um tal de Byron Cotter estudou com Gardner e escreveu uma série de estudos sobre bruxaria.

- Gardner? – aquele nome não era estranho, mas eu não reconhecia.

- Gerard Gardner – ela disse como se dissesse o nome do presidente dos Estados Unidos – o pai da bruxaria moderna. Foi ele que trouxe a tona novamente a Velha Arte. Uma das tradições de bruxaria leva o nome dele, os Gardenianos.

- E era avó do Dr. Cotter. Interessante...

- E não é apenas isso. Ele escreveu algumas das lendas sobre os Filhos do Vento, ou o Povo dos Ventos como ele chamava. Mas misteriosamente ele se calou no começo da década de sessenta.

- Bom ao menos o que eu posso ter certeza que, ele não vai imediatamente pedir a minha internação, já que tinha um avô bruxo e sobrinhas bruxas. Mas ele pode pedir que eu compre varinha e caldeirão como parte do meu tratamento psiquiátrico – eu gracejei.

- Nicolle! Você acha que estou brincando com tudo isso não é?

- Não, eu não acho – eu respondi seriamente, pois ela parecia muito ofendida – Apenas eu acho que todas estas coincidências são meio malucas.

- Sim, e como são. E você reparou nas duas, Aideen e Estella? Elas usavam um medalhão da Deusa Tríplice – Donzela, Mãe e Anciã Eu deduzo que seja herança de algum clã bem antigo e tradicional e eu não duvidaria que fosse da época do avô Cotter. Os Cotter são irlandeses, terra aonde você consegue encontrar as raízes celtas muito presentes. E a outra garota, Estella, italiana, berço da Streggaria, a bruxaria italiana tradicional.

Aquilo estava ficando realmente interessante. Eu não sabia qual a conexão de toda aquela maluquice, mas mesmo eu tinha que admitir que as coincidências eram muitas. Se eu acreditasse um pouco mais em coisas além do meu limite racional, eu diria que era quase uma coisa escrita em algum lugar, como destino e estas coisas.

- O que mais você tem aí Dann?

Vendo que eu estava realmente interessada no assunto, Danielle continuou a sua pesquisa até que uma pequena tela apareceu. Ela estendeu o laptop para mim.

- Isso é um trecho de uma lenda sobre o povo dos ventos. Foi Byron Cotter que a escreveu. Bom, até aonde eu consegui chegar, é a profecia de uma Prometida dos Filhos dos Ventos. Uma Grã Sacerdotisa teria o poder de manipular todos os elementos, tendo um poder nunca antes imaginado, mesmo entre o seu povo. Pelo que eu li, a única sacerdotisa que poderia ter o controle sobre todos os elementos foi a última líder que se tem conhecimento, a que foi queimada na fogueira junto com suas irmãs de clã.

Aquilo despertou algo dentro de mim, e eu praticamente arranquei o computador das mãos de Danielle.

A pagina que continha a lenda era simples , de algum bruxo que admirava tanto a lenda sobre este clã perdido quanto Danielle , e ele coletou as poucas informações escritas pelo Byron Cotter.

A lenda era basicamente o que Danielle me contou. A tal mulher, após passar por um grande sofrimento teria o poder de manipular todos os elementos. O autor da pagina contava que a tal garota morta na idade média, que todos proclamavam como a ultima Grande Filha dos Ventos morreu quando tinha pouco mais de dezoito anos, após a Grande Traição, atribuída aos Guerreiros das Sombras, no começo da Inquisição, na Idade Média.

Mas nenhuma informação sobre o que seria um guerreiro das sombras. Apenas uma linha atribuindo que eram os renegados pelos Filhos dos Ventos, donos de grande poder que se voltaram contra ás suas origens e para tanto foram castigados pelos Deuses.

Mas o que realmente me chamou a atenção foi o fragmento da lenda, que o próprio autor reconhecia que estava incompleta.

A filha do vento e do fogo
Nascida do ventre da terra
Beijada pelas doces gotas de chuva
Abençoada pelo suave soprar do espírito

A esta filha do vento, com o fogo em suas veias
Lhe será dada a vida,
Abençoará os seus campos
Irrigará as tuas terras

A esta filha do vento, com as lagrimas de
orvalho a correr pela tua face
Amará aquele que, ao ser forte
Suga-lhe o sopro da vida

A esta filha do vento, com a brilhante cor
da terra em teus olhos
Ao ter a sua alma roubada,
Encontra-se no seio de suas irmãs

A esta filha do vento, renascerá sob seu próprio espírito
Será a senhora das águas, dos ventos
Dominará o poder do fogo, vencerá o jugo da terra..

E esta filha dos ventos terá o dom de trazer de volta à vida.


Eu arfei com o que li. Eu precisava saber mais sobre este povo e sobre esta lenda.
A parte curiosa do meu cérebro imediatamente ficou alerta, e eu percebi que era um material muito interessante. Eu queria saber mais sobre este povo perdido, e principalmente sobre a jovem que morreu na fogueira. Não tinha nenhuma referencia ao seu nome. Era apenas a Grande Filha dos Ventos, a Grã Sacerdotisa, mas para mim era uma garota que morreu de uma forma triste e violenta e era pouco mais velha do que eu.

Perdida em meus pensamentos, eu havia esquecido que Danielle estava sentada ao meu lado e que estávamos em uma lanchonete no Country Club de West Palm Beach.

Danielle tocou de leve meu braço e falou quase em tom de reverência.

- Eu sei o que você esta sentindo. A primeira vez que eu li esta lenda, eu senti uma fome de informação dentro de mim e também uma noção de reconhecimento, ao mesmo tempo.

- Você tem razão Dann. Precisamos descobrir mais sobre estes filhos dos ventos.

- Você tem certeza Nicolle? E todas as suas dúvidas e seu ceticismo?

- Continuam aqui, da mesma forma. Mas eu não posso negar, esta história mexeu comigo, e por mais cética que eu seja, a minha curiosidade é maior. De alguma forma, eu investigar esta lenda como você, bom, eu sinto que pode me ajudar. Conte comigo Dann.

Os olhos dela ficaram enormes e brilhantes. Uma onda intensa de amizade me inundou, e eu senti que o mesmo acontecia com ela. Apesar de diferentes, nos aceitamos e nos entendíamos, e eu senti que gostava de Danielle, como alguém gosta de uma irmã. Estranho, eu não me sentia assim, quer dizer, eu nunca senti algo assim com ninguém, nem com Becca, minha melhor amiga, que eu conhecia desde sempre, nem com ela eu sentia este reconhecimento.

Eu sentia que era hora de aceitar as coisas estranhas de minha vida.

Eu olhei brevemente ao meu redor e dei de encontro com um relógio – chiquérrimo – á esquerda na lanchonete do clube. Já passava de uma hora da tarde. A chuva havia dado uma breve trégua, não passando de alguns pingos pesados. O forte cheiro ainda queimava o meu nariz, mas não tão forte. Eu tinha certeza que daria tempo de chegarmos ao hotel Nichols.

- Esta na hora Dann – eu disse apressada – Precisamos nos trocar, já passa da uma hora da tarde.

- Vai dar tempo – ela disse tranquilamente, guardando as suas coisas na mochila – A chuva dará uma trégua por...

- Tempo suficiente para chegarmos – eu a interrompi com um sorriso nos lábios. – Já que estamos na era das nossas revelações, eu tenho uma para fazer. Eu também sinto o cheiro da chuva queimando o meu nariz. Forte e intenso, assim como você.

Eu não dei tempo de ela responder. Seu rosto chocado, os lábios entreabertos transmitiam surpresa diante a minha revelação.

- Agora vamos Dann. Precisamos tirar estas roupas de ginástica.

Eu me sentia nervosa, mas muito nervosa enquanto dirigia para o nosso encontro com o psiquiatra. Meu estômago dava voltas e voltas. Eu tentava a todo custo manter uma postura relaxada e tranqüila, mas na realidade eu estava apavorada.

Para acalmar um pouco a minha histeria, Danielle concordou em mandar uma mensagem para um de nossos amigos. O escolhido havia sido Jack, pois segundo ela, ele era o mais maleável entre todos.

- E depois – ela completou com um sorrisinho debochado – do jeito que ele esta caído por você, se não aparecermos mais tarde, ele invadiria o hotel com uma espada na mão, até encontrar você. Bom, acho que ele conseguiria até uma bazuca para ser mais exata.

Eu não achei a menor graça sobre aquilo. Ainda me incomodava a queda que ele demonstrava por mim. Eu não queria pensar em nenhum aspecto da minha vida afetiva naquele momento.

Ela passou uma mensagem de texto para o celular dele, avisando que estávamos no Hotel Nichols encontrando umas amigas de Danielle de fora da cidade e o convidamos para nos encontrar mais tarde no Cityplace.

E ok, ela tinha razão. Ele respondeu um pouquinho animado que nos encontraria lá e pediu para sermos cuidadosas. Sim, Jack era um perfeito cavalheiro.

Assim que chegamos ao hotel, eu subitamente não queria descer do carro. Conferi a minha roupa algumas vezes – jeans, blusa preta de algodão com rendinhas na gola e meu tênis favorito – para ver se eu estava apresentável. Danielle usava jeans e uma batinha de linha branca, muito parecida com ela.

Danielle segurou a minha mão com firmeza. Eu sabia que não estava sozinha.

- Vamos Nicolle. O máximo que pode acontecer é o Dr. Cotter solicitar a sua internação imediata, se ele não for um assassino em série.

- Engraçadinha – eu murmurei mau humorada.

Nos deixamos o carro nas mãos de um dos manobristas – um ruivinho com cara de poucos amigos e muitas espinhas – que quase soltou uma gargalhada ao ver o meu carro. Eu tive vontade de gritar a pelos pulmões perguntando qual que era o carro dele. Que mania que as pessoas tinham de falar mal do meu carro, ele era um clássico muito bem conservado.

Com um ultimo e profundo suspiro, entramos no hall do Nichols Plaza.

O hotel era tudo que eu imaginei. Caro. Sofisticado. Chique. A entrada com maçanetas douradas e clássicas, os funcionários elegantemente vestidos, muitos detalhes em dourado e azul, o chão de um mármore tão brilhante que eu poderia me maquiar apenas olhando para ele.

Poltronas no estilo inglês – mais um motivo para eu agradecer ter uma mãe corretora de imóveis, eu conhecia decoração – muito espaço e luxo.

Eu ofeguei. Mas não era apenas pela opulência e pelo fato da minha mente fértil estar calculando o valor das suítes, mas porque estávamos em um hotel Nichols. Sim, dos vários na costa dourada, mas em downtown, perto de nossa escola e perto do Cityplace, o shopping que eu o havia encontrado. O Hotel da família Nichols. Da família de Henry Nichols.

Henry. O garoto que flutuava em minha mente e andava por meus sonhos por mais vezes que eu gostaria.

Eu estava apavorada de encontrá-lo ali, ainda mais depois do fiasco de nossa ultima conversa. Os seus frios e decepcionados olhos azuis ainda me assombravam.

- Não se preocupe – Danielle murmurou baixinho, quase me arrastando pelos cotovelos até a recepção – sexta feira é o dia do jogo contra Laguna, não encontraremos nenhum jogador ou líder de torcida por aqui. Ele não estará por aqui, Nicolle.

Eu dei de ombros, não olhando em seus olhos. Ela não precisava saber que eu estava tanto agradecida tanto quanto decepcionada de não encontrá-lo.

Eu respirei fundo e segui Danielle até a recepção. Tudo ali gritava luxo, luxo, luxo! Pela janela avistei a área das piscinas – sim, mais de uma – e uma plaquinha dourada que indicava o SPA. Um SPA! O que eu não daria para uma massagem, uma manicure... ou mesmo uma longa tarde de sono em uma daquelas enormes camas de hotel ...

- Por favor, viemos ver Andrew Cotter – a voz suave de Danielle cortou meu devaneio – suíte 32.

A recepcionista – uma loira muito bonita e muito maquiada também – ficou nos encarando. Aquilo era constrangedor.

- E quem devo anunciar? – ela perguntou o tom profissional, mas mesmo assim curioso.

- Danielle Owen e Nicolle Crystal - Dann abriu o sorriso inocente para a recepcionista, enquanto eu já estava ficando irritada. Ainda mais do que eu já estava. Isso não era um bom sinal.

A recepcionista sorriu de volta, meio forçadamente, diga-se de passagem. Pegou o interfone, e anunciou a nossa chegada. Imediatamente ela agradeceu e desligou o aparelho.

- Podem subir, oitavo andar, suíte máster, primeiro corredor a direita. Vocês são aguardadas. Bem vindas ao Nichols Plaza.

Demos de costas para ela, mas eu tinha vontade de mostrar a minha língua, como uma criança de oito anos.

Passamos pelo hall e entramos no elevador, enorme, espelhado e absurdamente dourado, contrastando com o tapete vermelho.

Meu coração batia descompassadamente , como se pudesse rasgar e sair do meu peito a qualquer momento , pois eu não sabia o que nos esperava na suíte dos Cotter. Afinal estávamos falando de um psiquiatra. Um psiquiatra! Quando você veria uma adolescente acompanhada de uma amiga indo consultar um psiquiatra por livre e espontânea vontade em um dia e folga . Quando?

O oitavo andar se abriu através da porta do elevador, como se fosse a abertura de algo novo inesperado para mim, o inicio de uma tragédia ou de uma aventura. E eu só queria a minha paz de volta, minhas noites de sono, minha sanidade. Claro, eu poderia colocar na minha lista a minha antiga cidade e minha antiga vida, mas isso seria impossível. Paz, eu queria paz, apesar da louca curiosidade que queimava dentro de mim.

Assim como a insana sensação de que, a qualquer minuto eu cruzaria com Henry Nichols por aqueles corredores. Nem naquele momento, tão importante para mim eu conseguia desligar a sua lembrança de minha mente.

Eu sacudi a minha cabeça como se pudesse tirar aqueles pensamentos de minha mente e segui em frente pelo corredor. Primeira a direita eu lembrei a Danielle que seguia do meu lado, calma e confiante como sempre. Paramos em frente uma porta que ficava bem ao meio, a única daquele lado do corredor. Deveria ser um quarto bem grande.

Suíte 32.

Eu dei um ultimo olhar para Danielle que sorriu tranquilamente, me encorajando a dar o próximo passo.

Eu apertei a campainha. Em menos de dez segundos a porta se abriu e Aideen abriu a porta.

- Abençoadas sejam – ela disse com a sua voz suave e melódica – Fico muito feliz em vê-las. Abençoada seja Nicolle, entre, por favor.

Desta vez eu havia sido incluída no “abençoada seja” que pelo que percebi, era uma saudação entre as bruxas. Ela devia estar sendo cortês, eu supus.

- Por favor, entrem. Vou chamar meu tio em instantes.

Eu arfei ao entrar no quarto dos Cotter. Era imenso. Luxuoso. Eu e Danielle entramos em uma espécie de hall ou sala de espera dentro do quarto, com um grosso tapete felpudo azul claro, combinando com os sofás lindamente trabalhados.

Eu arfei com aquilo. Era muito mais do que eu imaginava. Aquele pessoal sabia como se hospedar com conforto.

- Bonito, não é? – Aideen perguntou simplesmente, nenhum sinal de afetação em sua voz – A suíte é composta por dois quartos, um que eu divido com Estella e outro para meu tio, sem contar que cada quarto tem seu próprio banheiro, o que é muito cômodo, assim meu tio não precisa dividir seu espaço com duas adolescentes. Além desta saleta tem um pequeno escritório, o que eu achei incrível, você pode conversar com meu tio com privacidade ali. Vocês querem um suco, um refrigerante?

Ela não disfarçou nem por um minuto que estava animada com a nossa presença ali. Imediatamente confirmei minha simpatia por Aideen, linda com um vestido simples azul, os cabelos daquele tom selvagem de vermelho emoldurando o rosto delicado.

Vendo que eu e Danielle ainda estávamos em silencio, ela continuou, dando de ombros.

- O serviço de quarto aqui é bom, vocês da Florida sabem como se divertir. O frigobar esta lotado de coisas gostosas, posso oferecer algo enquanto vocês esperam...

- Um suco esta bom – eu me apressei em responder – O quarto é realmente lindo.

- Sentem-se, por favor, enquanto vou buscar os sucos. Eu volto em um minuto.

Ela abriu mais um enorme sorriso e saiu em direção a um corredor que ficava do lado direito da sala que estávamos. O quarto era realmente enorme.

- Dann,você viu o tamanho disso tudo aqui? – eu sinalizei o quarto – Deve ser absurdamente caro.

- Muito caro – ela afirmou com a cabeça – mas olhe ao redor. Elas decoraram com coisas próprias.

Realmente. Uma pequena fonte de água feita de cristal, algumas pedras coloridas e brilhantes e um incensário inalando uma fumaça doce e agradável na mesa de centro. Alguns livros em cima de uma mesinha de canto, e duas enormes almofadas de tecido colorido em cima do caro tapete, que com certeza não faziam parte da decoração do hotel.

Mas o mais impressionante era um quadro encostado em uma das poltronas. Não era grande, do tipo que poderia ser facilmente carregado em uma porta malas, mas mesmo assim impressionante. Uma mulher lindíssima em trajes de guerreira, o rosto decorado com tatuagens e algo como uma coroa simples, de bronze, creio eu, emoldurando a longa cascata de cabelos violentamente vermelhos, como os de Aideen, que caiam por sobre seus ombros e pelo peito. Mas o que mais chamava a atenção eram os olhos, negros e altivos, desafiadores, selvagens.

Eu me aproximei do quadro. Havia uma pequena frase escrita embaixo, que fez cada pelo de meu corpo ficar arrepiado.

“Y gwir erbyn y byde”

- A verdade contra o mundo. – eu sussurrei.

- Você conhece o grito de guerra de Boudica? A rainha vermelha celta? – Danielle perguntou baixinho meio sobressaltada?

- Eu conheço um pouco de irlandês – eu dei de ombros não querendo explicar muito naquele momento – mas sim, eu conheço a história de Boudica. A rainha celta que lutou contra os romanos durante a invasão da Bretanha.

- Isso mesmo – ela concordou me puxando pelo braço – olhe esse quadro! Deve ser muito antigo, comparando pela moldura. E é lindo e é Boudica. A rainha guerreira Boudica. A rainha vermelha!

- Muito antigo com certeza – uma voz seca e um pouco petulante com um leve sotaque italiano disse atrás de nós – Vejo que não faltaram às aulas de história.

Eu e Danielle viramos ao mesmo tempo em direção aquela voz. Estella Beltramo, pequena e imponente estava bem atrás de nós. Ela carregava algo peludo e cinzento entre os braços, como quem segura um bebe.

- Abençoada seja – ela saudou Danielle, e em seguida olhou para mim – Olá.

Nada de cortesia para mim.

Eu foquei os meus olhos e prestei atenção no que ela segurava.

- Isso é um coelho? – eu perguntei.

- Uma lebre – ela respondeu devagar.

- Uma lebre? – eu perguntei meio débil.

Ela revirou os olhos e ergueu ainda mais o queixo pequeno e petulante.

- Uma lebre. Você reconhece um quadro de Boudica e não sabe a diferença de uma lebre e um coelho?

Oh, ofensa das ofensas. Como se eu me deparasse todos os dias com lebres ou coelhos.

Meu peito se agitou, e eu imediatamente senti muita antipatia por aquela pequena italiana petulante e arrogante. Parece que eu estava me tornando imã de pessoas chatas nos últimos dias. Eu a enfrentei com o meu olhar. Eu não deixaria mais ninguém me diminuir.

- Eu devo ter perdido esta aula – eu disse bem devagar – sobre diferenças de lebres e coelhos. Eu sei que é algo crucial a minha formação acadêmica, pode ter certeza que amanhã farei uma reclamação formal á diretoria do colégio que eu e Dann estudamos sobre essa falha em nosso currículo.

Eu vi os olhos castanhos de Estella queimarem, duas bolas negras em chamas.

Neste momento uma sensação de calma tomou conta de mim. Danielle segurava com delicadeza o meu braço, os olhos enormes e suplicantes.

Estella olhou de mim para Danielle, uma cena cômica de, pois ela ficou olhando de uma para outra inúmeras vezes. O coelho – ou melhor, a lebre – ficou agitada em seu colo. Aquele bicho era engraçado, pois até aonde eu sabia coelhos (ou lebres) não eram muito inteligentes. Mas aquele animal cinzento tinha olhos vivos e únicos e olhavam diretamente para mim. Percebi que Estella ficou intrigada com alguma coisa.

- Bom, se me dão licença, tenho assuntos para resolver – ela disse apressadamente, seu sotaque ficando cada vez mais evidente – Qualquer coisa podem pedir a minha prima. Ela será muito mais cortês do que eu.

E ela saiu pela mesma porta que entrou, rápida e silenciosamente, como se fosse um golpe de vento.

- Criatura estranha – eu murmurei.

- Lebres são sagradas para muitas bruxas – Danielle me disse baixinho, ainda segurando o meu braço – para os celtas e dizem que até Boudica acreditava que eram seres sagrados. Você conhece a história do coelho da páscoa?

- Uma lebre? – eu desacreditei.

- Sim, você sabe que na conquista romana na Bretanha, muitas datas pagãs foram incorporadas a festas cristãs. Ostara, que tem como símbolo a lebre, foi substituída pelo Páscoa e o coelhinho e troca de ovos.

- Isso mesmo – uma voz agradável afirmou – Danielle esta correta. Muitos de nossos símbolos foram incorporados na conquista cristã, uma forma de domar o povo subjugado mais facilmente.

Aideen havia voltado a sala e sorria amplamente agora.

Ela estendeu uma bandeja com dois copos enormes de suco em direção a Danielle e eu.
Percebi que elas se olharam com admiração, o rápido reconhecimento de duas pessoas da mesma espécie. Apesar do conforto que eu sentia da presença de Aideen, eu não me sentia assim, como se fosse da mesma espécie que elas, mas sim como uma intrusa que tenta entender a difícil conversa de dois estrangeiros.

Minha garganta ficou seca de repente e eu tomei o suco ás goladas.

- Bom, acho que é hora de eu chamar o meu tio, afinal Nicolle veio justamente para conhecê-lo. Pode ficar tranqüila, ele é muito bom em sua profissão e é um homem muito tranqüilo, tenho certeza que irá ajudar.

Foi como uma deixa. Assim que ela terminou de pronunciar as palavras um homem entrou imediatamente na sala.

Eu quase engasguei com o meu suco.

Ele era loiro e alto, cabelos lisos na altura do queixo. Não deveria ter mais de vinte e cinco anos, o que era impossível com um profissional de sua reputação. E era lindo. Absurdamente lindo. Do tipo que faz as mulheres virarem o pescoço quando o vêem na rua . Não só as mulheres, acho que mesmo os homens e até animaizinhos de estimação viravam o pescoço em sua direção na rua , pois o cara era realmente lindo. Quente, era assim que chamávamos em Seattle, ou naquele momento em qualquer lugar no mundo alguém como ele.

Mas não era a sua beleza o mais impressionante. Eram os olhos. Assim que ele entrou na sala e sorriu para mim, eu senti minha cabeça rodar, mas não pela sua beleza estonteante de modelo. Eram os olhos. Eles transmitiam paz, amor e uma absurda paciência. Sabedoria. Eu poderia confiar minha vida á aquele estranho e mesmo assim eu acharia normal.

Ele se aproximou ainda mais de mim e me estendeu as mãos.

- Muito prazer, Srta Nicolle – sua voz era doce como veludo e fez meu corpo vibrar com uma intensa paz. Não era desejo físico, era conforto, como o que eu sentia quando estava ao lado de meu pai e ele me chamava de sua garotinha – Eu sou Andrew Cotter e minha sobrinha me falou sobre você. Espero que eu possa ajudá-la.

E naquele momento eu soube que realmente estava louca.

Ele era o homem loiro que eu sonhei dias atrás e que me estendeu a sua mão em meus sonhos. Eu tinha certeza que era ele, a lembrança daquela noite e daquele sonho queimou por minha garganta como fogo. O medo que eu senti nos braços do perseguidor e seus olhos cruéis. E a paz que encontrei estendida no tapete de um estranho. Um estranho que me olhava com a mesma ternura que o Dr. Cotter.

Como um pai olharia para sua filha.

Oh meu Deus. Eu realmente estava perdida.
Contagem regressiva ... voltando a West Palm Beach ...

Em mais alguns instantes , cap. 16

A verdade contra o mundo !!!!

Antes , uma coisinha chata ;o playlist.com esta com um problema de licença com o Brasil, então não estou conseguindo postar nenhuma música na playlist, estou refazendo a playlist em vídeos, e logo logo posto aqui ...

Bom, outro assunto foi o meu bloqueio, de mais de um mês que muitos acompanharam por aqui . Isso é algo muito chato e acho que acontece com a maioria . Escrever é algo muito único, visceral e emocional, que sim, dependendo do estado de espírito realmente não sai, ou pode sair alguma coisa que não condiz com a história e nem com a pessoas que as compoe , então nada melhor que o tempo para trazer de volta aquele sentimento, aquela emoção que nos liga a uma história ou a personagens .

Esse tempo voltou. Já sinto a maresia e o vento caloroso da Flórida batendo em meus rosto e espero que vocês possam sentir o mesmo .

Segue uma música que me fez voltar a West Palm para o Cap. 16.

Bjus Bjinhos e Beijokas

Gaby Raposo

Playlist "As filhas do vento"


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