terça-feira, 2 de junho de 2009

Cap. 8 - A solidão e o mar

Meu pai sempre me disse que para qualquer problema, o trabalho sempre é a solução. “Ocupe a sua mente que você encontrará a solução que precisa” ele dizia.

E foi justamente o que eu fiz.

Logo após a ceia, que era tradição na minha casa antes de irmos dormir, garanti a meus pais que precisava estudar um pouco.

Eles haviam ficado exultantes ao saberem que eu havia feito amizade com pessoas novas, ido ao shopping, aparecido com algumas sacolas de compras em casa.. Eu me certifiquei de deixá-los menos alarmados a meu respeito, recitando o nome de meus novos amigos e me surpreendi ao saber que a minha mãe conhecia os pais de Danielle e Jack.

Esta era a minha mãe. Conseguia conhecer uma infinidade de pessoas em um curto espaço de tempo. E isso não era apenas por causa de sua profissão, mas sim parte de como ela era. Ela devia ter sido algum tipo de líder estudantil quando era adolescente, pois ela sabia ser amigável e simpática.

Eu era mais parecida com meu pai. Um pouco introspectiva e demorava mais para confiar nas pessoas. Eu nunca fui a rainha da popularidade, mas sabia fazer amigos e me divertir em Seattle. Apenas eu precisava fazer as coisas ao meu tempo.

Então, eu lembrei o que realmente eu precisava fazer com o meu próprio tempo - exatamente agora. Com todo o meu descaso com as minhas aulas na primeira semana na West Palm Kings High eu sabia que precisava estudar.

E ocupando a minha mente, eu não precisava pensar nos meus pesadelos e no estranho encontro que tivemos a tarde com Aideen e Estella, as desconhecidas, que assim como Danielle, eram bruxas.

Não que eu realmente soubesse o que isso significava, mas o encontro- todo o encontro – era absurdamente estranho. Assim como toda a minha semana.

E,eu precisava admitir, eu não teria tempo para pensar em Henry Nicolls.

Sim, ele habitava minha mente desde o primeiro dia que nos encontramos, mas do que seria saudável.

Neste caso, pensamento nenhum é que seria saudável.

Então, eu afundei meus olhos nos meus livros e decidi que não pensaria em nada até amanhã. E eu esperava ficar cansada o suficiente para dormir.
Comecei pelo trabalho de Inglês que eu teria que entregar na segunda feira.

Uma redação de 200 palavras, espaço duplo, comparando a sociedade atual com a descrita por Jane Austen em “Orgulho e Preconceito”.

Bom,isso não foi exatamente difícil para mim e em pouco tempo eu já tinha terminado.

Passei para alguns problemas de calculo que eu detestava, mas teria que entregar na terça feira, após o almoço. Sempre foi minha pior matéria, e minha cabeça nas nuvens não ajudou muito esta semana. Tentei e tentei até minha cabeça doer e meus olhos quererem saltar das órbitas.

Eu estava exausta. Meu corpo todo doía, era como se meus músculos estivessem estirados e alquebrados.

Eu pensei em tentar mais alguma coisa. E me lembrei que teria que ler o livro do Hemingway, para as aulas da Sra. Charlotte.

Trabalho esse que eu era parceira de Henry Nicolls.

Pensar sobre ele, em Henry, fazia meu estômago se comprimir de uma forma que eu não gostava, ao mesmo tempo diferente, como eu nunca havia sentido, e ao mesmo tempo irritante.

Eu não queria mais sentir aquilo.

Eu segurava o exemplar de “Adeus as armas “, sua capa branca com as letras de um verde dourado e percebi que elas estavam começando a se misturar e embaralhar perante os meus olhos.

Atirei o livro para longe, desliguei a luminária de minha pequena escrivaninha e o computador.

O radio relógio que ficava no criado mudo ao lado de minha cama marcava duas e meia da manhã.

Ao me despedir de Dann, aquela tarde, ela havia pedido que eu colocasse um pouco de algodão embebecido em azeite doce embaixo de meu travesseiro para me garantir um sono tranqüilo.

Ela tirou uma pequena vela verde de dentro de sua bolsa –como que ela conseguia andar sempre com algo desse tipo sempre pronto dentro da bolsa, eu não sabia – que tinha um suave cheiro de alecrim.

Eu deveria colocar uma musica suave em meu player, acender a vela, e colocar o algodãozinho embaixo do travesseiro.

E, além disso, tentar relaxar.

Puxei bem as cortinas, acendi a vela e percebi que meu quarto todo se enchia da suave fragrância de alecrim. Era como se a névoa toda me envolvesse, e eu percebi em instantes que começava a ficar mais sonolenta e relaxada.

Apaguei a luz do quarto, o deixando iluminado apenas pela pequena chama. Afundei em meus travesseiros e me enrolei em meu edredom.

Apesar do calor que sempre fazia nos dias ensolarados da Flórida, a noite sempre trazia uma brisa gelada, vinda do oceano.

Eu fiquei fitando aquela chama delicada, que dançava e cintilava perante os meus olhos. A força do fogo envolvia os meus olhos e os meus sentidos.

Era mágico e magnético, e percebi que eu poderia apenas observá-la, por um tempo sem fim. Era como se todos os meus sentidos se acalmassem – e aos mesmo tempo ficassem mais despertos – apenas ao observar aquele a chama daquela vela.

Eu não percebi que meus olhos ficavam cada vez mais pesados e meu corpo mais leve. Minhas pernas estavam moles e minha respiração ficava cada vez mais profunda. Um doce entorpecimento envolvia o meu corpo.

E foi então que aconteceu.

Eu respirei profundamente algumas vezes e percebi que não sentia mais apenas o cheiro do alecrim.

Eu sentia um cheiro de madeira, forte e adocicado.

Eu abri bem os meus olhos. Não foi a chama da vela que brilhava perante os meus olhos. Foi a luz do sol, nascendo no horizonte, pintando de laranja e púrpura o céu, tentando romper o negro véu da noite.

Não eram os lindos e opulentes prédios de West Palm que eu via bloqueando a paisagem.

Era um mar verde sem fim, de arvores fechadas em suas altas copas, ainda escurecidas pela noite, dando um ar sombrio por onde eu olhava.

Eu não estava deitada quentinha em minha cama, mas sim sentada no gelado pórtico de uma janela, grande e de pedra.

Olhei para baixo e percebi que minhas pernas estavam suspensas. Um abismo sem fim jazia por sobre meus pés. Eu estava em um lugar alto, muito alto.

Com cuidado, recolhi as minhas pernas e entrei para dentro da câmara que eu estava. Era um quarto simples, com uma grande cama de madeira e algumas peles servindo de cobertor.

As paredes também eram de pedra, polidas como tijolos, e o chão de uma madeira rústica e limpa.

Uma lareira aquecida e iluminava o ambiente.

Eu via livros por toda a parte, organizados e livres de poeira. Um jarro e uma bacia de uma louça ricamente trabalhada estavam em cima de um enorme baú de madeira.

Eu me aproximei e deixei meus dedos tocaram a água gelada, brincando com as pequenas ondinhas que eles formavam. O silencio ao redor era total.

Foi então que eu percebi que a solidão me abraçava cruel e sufocante, oprimindo o meu peito, fazendo-o doer como nunca antes.

A realidade do momento me atingiu, dura e forte.

Eu estava sozinha, magoada e ferida. Traída. Eu havia sido traída pelo único homem ao qual eu havia entregado o meu coração.

Eu queria gritar e gritar, suplicando aos deuses que arrancassem aquela dor de meu peito.

Minha casa estava quieta.

O nosso protetor havia sido assassinado dias antes. Ele havia sido o meu pai, professor e amigo por tanto tempo, que eu já nem recordava mais o rosto de meu pai verdadeiro..

Eu tentava sentir meu poder queimando em minhas veias, mas eu o sentia fraco, tão fraco...Apenas um longínquo eco do que eu sabia que era capaz de sentir.

Eu voltei meus olhos para além das paredes de madeira daquele quarto e vi minha irmã, contrita em seu leito, subjugada pelo grave ferimento que sofreu na batalha que culminou com a morte de nosso protetor

Nossa sacerdotisa Mãe cuidava de seus ferimentos, seu lindo rosto vincado pela dor, circundada pelas minhas outras duas irmãs.

Estávamos sozinhas, completamente sozinhas.

E tudo isso por minha culpa.

Culpa pelo meu amor desenfreado. Ele havia nos traído. Ele havia me traído.

A dor estraçalhou o que sobrava de meu peito, e eu me deixei cair ao chão.

Eu sabia o que viria depois. Eu vi as luzes dos archotes ao longe.

Não teríamos tempo de fugir.

Eu apertei bem os meus olhos, tentando respirar, mas a dor bloqueava meus pulmões, fazendo com que eu contraísse os meus músculos, tentando desesperadamente encontrar uma fuga para meu clã.

Quebre um lado do círculo, e terá o quebrado por completo. Era o que dizia os nossos ensinamentos.Eu supliquei a Deusa para que nos ajudasse. Eu sentia toda a solidão do mundo me esmagar, como um homem esmaga uma formiga sobre a sola de seus sapatos.

Em minha súplica eu rezei, e rezei e rezei.

Eu sabia o que precisava fazer. Corri em direção as chamas que aqueciam o nosso quarto e desenhei o símbolo da proteção com as suas cinzas no chão.

Procurei rapidamente o meu livro, eu precisava decorar as palavras do encantamento. Escondi um espinho entre meus cabelos, castigando um pouco meu couro cabeludo.

A ultima coisa que eu vi foi as chamas bruxuleantes se aproximando cada vez mais de nossa casa. “Que a Deusa tenha piedade de nós.”

A hora se aproximava.

Eu fechei meus olhos mais uma vez, respirando profundamente, deixando o nada e o silencio tomarem conta de minha mente.

E quando eu os abri, percebi que estava em um ambiente totalmente diferente.

Eu estava acordada.

De súbito eu percebi que era mais um de meus sonhos. Em um momento eu senti tudo aquilo, em outra eu estava ali, de olhos bem abertos, abraçando o meu peito tão forte que eu quase podia sentir minhas costelas se partindo.

Este sonho havia sido tão, tão real, que eu ainda senti a dor em meu peito, a solidão que oprimia a pobre garota, o desespero e desamparo.

Eu havia sentido tudo aquilo pelos meus olhos. Era terrível.

E eu não me recordava de nenhum filme, ou livro com alguma história parecida com aquela para eu ter uma explicação pratica e razoável, para aquele sonho.

Não havia sido como meus pesadelos anteriores.

Mas de alguma forma, a dor pela solidão era pior do que qualquer agressão que eu havia sofrido em meus pesadelos anteriores.

Olhei pata meu rádio relógio e percebi que ele marcava um pouco mais de cinco horas da manhã.

Eu não havia dormido nem três horas completas.

Mas eu queria sair correndo daquela cama e de meu quarto.

Corri para meu banheiro, esperando que a água acalmante de um banho pudesse tirar aquela sensação pesada da minha mente.

Deixei a água morna cair pelo meu corpo, pelos meus cabelos, e o cheiro de meu sabonete e meu shampoo favorito inundarem meus sentidos.

Mas nada disso era suficiente.

Sai às pressas , me enrolando em uma tolha, pensando dolorosamente que em poucas horas eu ainda teria que enfrentar um longo dia na escola

Então, olhando novamente meu relógio, vi que hoje era sábado.

Nada de escola hoje para mim. E eu havia marcado de me encontrar com
Dann a tarde para conversarmos.

Mas ainda era cedo, muito cedo e eu precisava fazer alguma coisa.

Coloquei uma calça de moletom e um abrigo que havia ganhado de meu pai, preto com listras rosa claro da Nike que eu adorava, um tênis, passei os dedos em meus cabelos molhados, e, sem ao menos uma vez olhar no espelho, quiquei escada abaixo.

Tentei tomar o máximo de cuidado para não acordar os meus pais. Eles não precisavam de nenhuma preocupação extra sobre a sanidade de sua única filha.

Escrevi um rápido bilhete e colei no quadro de avisos da cozinha.

“Fui correr na praia. Preciso de exercícios. Volto logo. N”.

Então entrei no meu carro, dei a partida e deixei meus instintos guiarem.

Era uma manhã de sábado, e ainda nem eram seis horas da manhã. Portanto, ruas desertas , livres de carros e pessoas.

O dia começava a raiar, tingindo o céu de laranja e uma infinidade de tonalidades. Mas ainda havia uma brisa fria, fazendo eu me aquecer em meu abrigo.

Eu sabia que praia queria ir. Era um pouco afastada do centro de West Palm, mas ficava a poucas milhas da minha casa.

Em dez minutos eu já estava lá.

Não era uma praia badalada, e era conhecida por ser segura – pois havia dois postos policiais fazendo ronda constantemente – e era a favorita de surfistas, pelas ondas e tranqüilidade.

Eu estacionei o carro próximo a uma grande pedra.

A praia estava vazia, o dia mal estava mostrando os seus primeiros raios de luz e calor.

Eu permaneci um tempo ainda, eu meu carro, pensando em tudo que estava acontecendo, e sentindo aquela horrível solidão que fazia meu peito doer, como se houvesse um buraco dentro cada dele, ficando cada vez maior, e maior...

O espaço dentro do meu carro começou a ficar pequeno e claustrofóbico.

Desci do carro, batendo a porta, e escolhi um lugar na areia para me sentar.

Fiquei ali por algum tempo apenas contemplando o mar,as ondas que se agitavam tocadas pelo vento, a maré subindo, o doce encontro entre o mar e a areia. A praia estava vazia, exceto por alguns pássaros que já haviam despertado e cruzavam o horizonte.

Então eu avistei um surfista solitário ao longe, deslizando suavemente pelas ondas.

Os movimentos do surfista eram hipnóticos, mas algo naquela cena fazia eu me sentir mais solitária. Ou menos, talvez o eco do surfista solitário deslizando pelo mar enquanto o dia ainda mal havia despertado me mostrava que eu não era o único ser solitário naquela manhã.

Ou ao menos , que eu não era a única insone.

A brisa do mar tocava meu rosto como uma carícia. Eu aspirei profundamente e fechei meus olhos.

Quando os abri novamente, percebi que o surfista também havia parado.

Estava sentado em sua prancha, contemplando o oceano, as ondas se quebrando em seu corpo.

Quem era ele? Eu me perguntava.

Talvez ele também fosse jovem. Apesar da distancia, eu apostava que ele não deveria ser muito mais velho do que eu. O que ele fazia ali, contemplando o oceano? Será que também se sentia perdido?

Foi então que ele se jogou na água e nadou em direção a areia, segurando sua prancha com uma das mãos, bem lentamente.

Era rude eu ficar encarando aquele estranho, eu sabia disso. Virei meu rosto e torci para que eu continuasse anônima na praia, longe dos olhos de qualquer pessoa,

O sol já brilhava com força, fazendo meu corpo ficar quente. Tirei meu abrigo, deixando o sol esquentar minha pele através da camiseta de algodão que eu usava por baixo. Corri os dedos pelo meu cabelo, sabendo que eles deveriam estar horríveis devido ao vento e a maresia. Mas eu dei de ombros; Quem me veria naquele estado?

Voltei meus olhos para um bando de pássaros, que faziam um suave baile pelo céu.

Foi então que eu percebi que estava sendo observada.

Olhei apressadamente para frente, quando eu vi que o surfista solitário estava a apenas poucos metros de meu lugar. Ele havia parado e me encarava. Eu foquei meus olhos e aos poucos percebi que ele era sim tão jovem como eu. Havia abaixado sua roupa de borracha até a cintura, deixando seu peito a mostra. Percebi que ele era bonito, o peito e o abdômen definido, vários músculos firmes saltando pelos seus braços.

A medida que sua figura ficava cada vez mais definida, eu senti uma louca vontade de sair correndo dali.

Eu me agitei sentada na areia, pensando se deveria sumir ou continuar ali, sentada. De qualquer maneira ele havia me visto. Ele me fitava e por sua expressão, percebi que ele também tentava decidir se me ignorava ou viria em minha direção.

Os segundos passaram tão lentamente como se fossem horas.

Foi então que ele decidiu. Vi que ele segurava sua prancha com força ao lado de seu corpo e marchava com firmeza em minha direção.

Meu coração batia cada vez mais acelerado, a medida que ele se aproximava.

Oh meu Deus! Oh meu Deus, o que eu faço?

Pois o surfista solitário, não era ninguém menos que Henry Nicolls.

Playlist "As filhas do vento"


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